segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um buraco

Não quero escrever uma crônica mulherzinha. Nem um parágrafo de mulher incompreendida. Muito menos um desafabo de blog cor de rosa com cheiro de morango. Não é nada disso.Não vou culpar minha vó, que nem queimou sutiã, por meus problemas contemporâneos, se é que são problemas (seriam verdades?).Também não vou dizer onde quero chegar ou de onde saí. A questão não é o que temos e o que queremos ter. Ou o que deixamos de querer. O contrassenso* cava o buraco.


...Continua. Ou não.


*De acordo com a ABL, estranho assim, com dois esses.


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Obrigada por ter me abandonado nesse dia, rinite

Começar um texto dizendo que eu estava atrasada é um retrocesso, uma redundância, pra não dizer coisa pior. Eu vivo atrasada, pra minha sorte ou azar. Mas o fato é que eu estava mesmo saindo atrasada do banho para um compromisso que já não lembro qual é.

Arranquei a toalha rosa do box, me sequei voando e joguei a mão no desodorante que fez um psiiiii desanimado.

Vazio.

Sim, a Lei de Murphy é algo super presente na minha vida.

Pois lá fui eu tentar encontrar um desodorante novo na minha costumeira bagunça, vulgo balcão da pia. No meio duma sacola amarela de freeshop, estava ele. Arranquei-o feliz do submundo da desordem e puxei a tampa.

O tsiiiiiiiiill saiu com força da lata branca e junto dele veio o bairro gótico e um prato de tapas. Callamares bem sequinhas, por favor. Uma taça de sangría e um monte de amigos heteronacionais. Senti o sono que movia minhas pálpebras na melhor aula de espanhol sob o sorriso de Sarah, a professora. E então eu jogava volei em Barceloneta e eram mais de dez horas da noite. Veio o zunido do metrô e meu quarto pequeno com travesseiro alto. A lomba para chegar até em casa, o calor e uma sensação inédita. Barcelona era inédita para mim e eu pra ela. E nós nos amávamos assim. Todos os dias. Até o dia que revivi tudo em dois minutos dentro do meu banheiro porto-alegrense.

Saborear o aroma do desodorante que eu usava na Catalunya só perde para o borbulhar do arroz com banha da minha vó.

domingo, 17 de outubro de 2010

Devaneio - Gisele

Em um boteco entranhado no bairro Gótico, uma brasileira e americana dividem a mesma mesa.

Enquanto eu admirava meu bocadillo salivando, Elisabeth me encarou séria.

-Mariana?

-Que?

Chegaram as patatas bravas. Largo o bocadillo e espeto uma como um apaixonado que encontra a amada.

- A Gisele tá mesmo grávida?

Adoro esse sabor quente e picante escorregando pela minha garganta.

- Que tu disse mesmo Elisabeth? – já mirando outra.

- Se a Gisele tá grávida.

-Gisele? - franzo o cenho.

Meu cérebro deu uma, duas, três voltas. Devo estar anêmica por culpa da ausência de proteína bovina, só pode.

- Bündchen, Mar-i-ana. Ela tá grávida?

Socorro, senhor. Me proteja dessas cabeças americanas.

- Ih, Elisabeth. Ela tá mais perto de ti que de mim, hein, pode ter certeza. Não faço a mínima ideia.

Aos bocadillos, por favor.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O maior dos devaneios

Sobre “A gente é feito pra acabar”, o show do Marcelo Jeneci

A melhor definição deve ser dizer apenas que perdi a voz. Esqueci das palavras. Emudeci. E quem me conhece sabe que eu falo, e muito. Não sei se fui arrebatada ou levei uma porrada. Talvez seja algo semelhante a um grande porre. Ainda estou embriagada. Gosto disso, preciso disso. Cada melodia era uma gota de álcool e eu queria mais. Exigia, sugava, chorava. Tal qual uma álcoolatra. Sem culpa. Ainda assim tremia, arrepiava, nadava na bebida. Paz e medo. Desejo e repulsa. Sonho, tristeza, a vida real. Tudo assim, no mesmo copo. Que garçom malcriado. Atirou tudo na mesa sem pedir licença. Será que suporto? Sou forte assim? Sei não. Outra maré. Melodia, melancolia e, então, a felicidade. O sangue corria de outra forma. Lento, lustroso, como bem entendia, naquele mar infinito. Ainda duvido do encaixe. Não sei se eu tinha espaço para tanto. Não sei ser álcoolatra. Mas para que mesmo espaço? A gente é feito pra acabar.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Devaneio - O cara perfeito

O cara perfeito

Em que lugar excêntrico andava minha cabeça, como se ela pousasse por muito tempo no corriqueiro, quando acreditei ser prudente estudar pensadores. Pensadores econômicos. Pessoas que deviam sonhar com cifras e acordar com percentagens na cabeça. Por que razão imaginei que eu, Mariana, aquela comprida, deveria ter uma professora cujo maior ídolo se chama Ricardo. Se fosse o Paulo Ricardo seria até mais interessante. Ele usa jaqueta de couro e tem passe livre no Big Brother. Mas, não. O ídolo da professora loira que tem problemas nas cordas vocais, tadinha, é o David Ricardo.

Não, não tentei fazer uma frase de efeito. Dizer que o ídolo da vida de uma pessoa é o David Ricardo não faz uouu, eu sei. Se fosse o Capitão Nascimento ou o Victor & Léo (uma dupla = uma pessoa) valeria mais. Ninguém sabe quem é David Ricaaaaardo. E quem sabe quem é não imagina o economista escocês como norteador dos sonhos de ninguém.

Mas ele permeia os sonhos dela.

Tanto que ela repete efusivamente isso em toda aula. Inclusive antes, no meio e durante a chamada. Por que raios estava eu naquele auditório? Onde já se viu estudar agápé. Sim, agápé é como se chama História do Pensamento Econômico no prédio da economia. Simples, H-P-E ou agápé, mais uma pra lista infinita de créditos necessários para se vestir uma toga. Maldita hora. Maldita cadeira. Malditos pensadores. Maldito ordenamento. Malditos porquês. Maldita chamada. Malditos homens...

- Pedro Perfeito.

Zupt, ergui a cabeça e virei para o colega do lado. Precisava me certificar. Num lugar onde o Ricaaaaardo é ídolo e a Teoria das Nações (oi?) é leitura de férias, tudo pode acontecer. Mas o menino loiro assentiu com a cabeça e cochichou: ele não veio hoje.

Deus é pai e é lindo ver uma quase-jornalista encontrando um porquê. Bendita seja a hora em que o insano desejo jornalístico de encontrar razões para tudo e todos foi concebido e entrei naquele auditório.

P-E-R-F-E-I-T-O, Pedro.

Quem foi mesmo que disse que jamais mudaria de nome quando casasse?

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Devaneio - Medo e pânico

Medo e pânico

Não, não é pânico de assalto. Também não é medo de não conseguir pagar as contas no final do mês ou de não vencer a roda-viva das tarefas. Não tenho receio de viver. Não acho que cidade grande assusta. Não tenho medo de pequenez também.
Mas ando repetindo tanto que, as vezes, até me incomodo:
- Medo e pânico.
Tem gente que me faz grilar meus olhos estreitos. Medo de gente e pânico de suas ações.
Não, não sou misântropa.
Tenho uma leva de queridos naquela lista que entra dentro do peito.
Por isso mesmo me apavoro com quem, por ventura, não recebeu amor, carinho ou luzes.
Nas palavras do seu Alfredo, gosto do que clareia, de gente que faz enxergar em frente. O contrário, é um problema:
- Poucas luzes, Mari.
É, medo e pânico disso aí.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Devaneio - Hassen, as leis brasileiras e a Copa

Quem ler até o final compreenderá o porquê do "devaneio", garanto.


Devaneio - Hassen, as leis brasileiras e a Copa

Eu parecia navegar em uma jarra de sangria gelada, quando Sarah, a prima-irmã da Penélope Cruz, sorriu:

- Mariana, como és en Brasil?

Saí do Bairro Gótico em meio segundo e aterrissei. No final da aula, sempre líamos um artigo de ‘un periódico’ para debater.

Aquele dia o tema era aborto.

Depois de Hassen, o parisiense lindo e casado (!!!) de 26 anos, e da menina escocesa que estudava russo falarem, era minha vez.

Pensei, pensei e pensei. Sabia que eles não iam entender e decidi explicar igual, em portunhol.

- No si puede hacer un aborto, el gobierno no permite. Pero, és normal las mujeres abortaren en clinicas clandestinas. Algunas no pueden tener hijos después. Otras tenen problemas en utero. Toda la gente sabe que és prohibido, pero mucha gente hace.

Fiquei vermelha. Não sei se porque senti que todos me olhavam ou por vergonha mesmo. Hassen, ao meu lado, não resistiu. E eu sabia que não resistiria. Ele era o cara que fazia relações internacionais entre Paris e Madrid e desejava trabalhar na ONU.

- Si mutcha gente hace, entonces por que és prohibido?

Não sei Hassen. E queria saber. Tenho vergonha de te dizer com todas as letras que é proibido, as pessoas fazem e isso não muda nada. Nem deve mudar. Mas o lugar onde eu moro não é aquele do City of God nem o do Rio de Ránero. Há muito mais e, como una buena periodista, vou te dizer. Tem muita coisa no Brasil que é proibido e todo mundo faz. A gente costuma dizer que, certas coisas, não saem do papel. E sei que não há lógica nenhuma nisso.

- No hay sentido, Mariana?

O melhor espanhol que já ouvi – com sotaque francês – foi como uma agulha no meu ouvido.

- No, no hay.

Não satisfeita, no decorrer do curso, a nossa Penélope ainda propôs discussões sobre compra de remédios, educação/vestibular e salários mínimos. E, aviso, eu não detive minha sinceridade em nenhum momento.

Suas bolitas morenas estagnaram quando contei que na minha cidade eu podia comprar remédios sem receita e, tchan-tchan, por telefone.


Bom, enquanto grande parte do que acontece no Brasil não é, de verdade, obrigatório, surge uma luz. Ou um escuro.

No país do não pode, mas pode tudo passa, há uma só lei:

- Em jogo do Brasil na Copa do Mundo de Futebol ninguém pode trabalhar.

Muito menos ir à aula.

E, AI(!!), de quem ousar pensar em burlá-la.

Se for empregador, é desumano.

Se for empregado, não tem amor pelo país.

Se for professor. Ah, aí que o Brasil não tem mais jeito mesmo.

E foi assim que muita gente não trabalhou semana passada pra ver os amarelinhos correrem de luva em Joanesburgo.

Que fúria verde e amarela!

E, também foi assim, que decidi criar uma regra própria.

Não gosto de futebol e trabalho na Copa numa boa. Até na final.

Os gols eles repetem zilhões de vezes depois que acaba o jogo, comentam em detalhes e anos mais tarde tudo ainda vira um documentário pro meu irmão re-re-re-rever! Por que raios preciso assistir no momento exato?

Quero a minha dispensa pra ir na FLIP, a festa literária de Paraty no Rio de Janeiro.

A folga acadêmica pode ser para eu terminar meu Bauman ou minha nova edição do João do Rio. Também aceito não trabalhar nos dias do show do Los Hermanos na Bahia ou quando abrir uma exposição nova no Centre Pompidou, ok?

E, aaai, do professor que marcar prova nesses dias.

Não existe prova em dia de jogo do Brasil.

Logo, não existe prova em dia de FLIP. Quem dirá no capítulo final de uma Isabel Allende.

Regras são regras no país da desordem.

E, tenho certeza, Hassen não só concordaria como abriria um sorriso.

- Esso mí gusta, Mariana.

E, aos espertinhos, não. Não contei pra ele que em terras tupiniquins casados beijam solteiras e assim por diante.

Leis francesas, ele jamais diria um ‘oui’.

domingo, 2 de maio de 2010

Desabafo - Os trapos e a Quitéria


Os trapos e a Quitéria


Todos que conhecem a minha casa – em Porto Alegre – ouvem um estranho e sincero comentário antes de eu abrir a porta.

_ É tudo muito gay.

Gay (muito gay, homossexual e variantes) é uma expressão cunhada pelo meu amigo Humberto Ferreira. Mesmo ele detendo os direitos de uso, eu abuso dela desde a primeira vez que eu ouvi um, Mari tu é muito gay.

No tempo em que o nosso grande problema era ter aula o dia todo só na segunda-feira, aguentar uma cadeira de Psicologia e enfrentar a Física para fazer a faculdade que fazia nossos olhos se arregalarem, meu companheiro era o Humberto. Entre tantos amigos – que ficaram em 2005 ou não – era do lado dele que eu sentava todos os dias, suportava o barulho repetitivo da sua bateria imaginária, dividia os fones de ouvido e as agruras de quem tem 16 anos. Também era pra ele que eu mostrava empolgada um novo estojo da Hello Kitty, uma bolsa rosa pink, uma meia de sapo ou um mini moletom de gatinho.

Cansado com tamanha frescurice, o Humberto decidiu. Dizer que eu era fresca era pouco. Dizer que eu era infantil não servia para a amiga que discutia política com ele. Dizer que eu era pati não combinava com a guria que queria passar na federal pra deixar o mundo menos díspare. E dizer que eu era vazia também não funcionava para quem morria de amores por um Machado de Assis.

A questão era complexa e simples. Em dois toques, ou melhor, uma palavra, ele resolveu.

Gay.

Eu não só concordei como colaborei pra cunhar a expressão. Eu realmente era gay. E todos os meus queridos que ouvem – incluindo aí meus pais – concordam que ela se encaixa perfeitamente comigo. E é tão perfeita que não carrega um mísero preconceito, podem ter certeza.

Bom, desde que eu cravei meu nome no listão e larguei o Noroeste, o rol de coisas gays que eu compro tem aumentado consideravelmente. Os objetos de decoração entraram de forma fervorosa na minha lista. Assim, três anos, um salário e um apartamento só meu depois, a taxa de homessexualidade está altíssima.

Além de um tapete rosa pink peludo, outro de zebra e uma chaleira de girafa, o 602 tem porta-retrato de pelúcia com asas, fusquinha que segura os jornais e uma mão que sustenta a porta. Descontando uma almofada-vaca, um tapete-borboleta e uma geladeira que permite desenhos e recados dos amigos. Pode dizer que é uma fauna, um carnaval ou o que seja. Eu não contei que fiz patchwork nos bancos da sala, adicionei fitinhas do bom fim e mandei pintar uma cadeira de cada cor (lindas!). E não precisa perguntar, meus olhos não doem com tanta cor nem mesmo nas crises de sinusite. Eu adoro meu canto, principalmente a poltrona estampada de jornal, a almofada-ouriço, meu Neruda e meu Miró.

Minha prima Alice, quando conheceu meu reduto, adorou. Ela tem seis anos e, acredito, se sentiu um pouco representada aqui. Assim como eu e minhas homossexualidades.

Bom, mas o que desencadeou esse monte de abobrinhas foi o comentário de uma amiga que já tem 30 anos, namora há alguns e, enfim, tem enfrentado os questionamentos sobre uma união “mais estável”. Suscinta e genial que é, ela disse:

- Pois é óbvio que eu quero juntar os trapos, mas gosto tanto do meu canto que ahhh.

Ahhh mesmo. Ahhh que dúvida. Ahhh como faz?

Eu, que também quero juntar os trapos um dia – sabe-se lá quando e com quem –, fiquei com aquela frase saltitando na caixola. Que farei com meus trapos gays? Eu sou tão feliz com eles, serei feliz em uma casa com cara de homem? Nem falo com cara de showroom, porque essa possibilidade está descartada. Ou encontrarei alguém – nesse mercado escasso – que me deixe colocar um porta-retrato com asas na sala? E a Quitéria? Meu pufe não é nada sem a Quitéria, muito menos a minha sala!

O fato é que meu alerta aos que encaram a minha nave tem funcionado. Todos concordam com a expressão e com a minha alegria em conviver com tanta diversidade. E, como continuo longe da dita união mais estabilizada, guardo meus ahhhs enquanto curto as gayzices da casa.

Ahhh, não expliquei. A Quitéria é a prima da Celeste. Sim, a do Castelo Rá-Tim-Bum. Linda e simpática, minha cobra pink de pelúcia mora em cima do pufe da sala.

sábado, 24 de abril de 2010

ZH - Agora, do sexto andar


Dei uma escapulida do Nosso Mundo Sustentável e invadi um terreno muito bacana lá da ZH.
Esse texto foi publicado na edição 53 do ZH Petrópolis, dia 8 de abril.
A coluna chama Eu e meu bairro e qualquer um pode escrever.
É só enviar para petropolis@zerohora.com.br
Escreve, as gurias vão adorar.



Agora, do sexto andar



Não escolhi meu apartamento pelo bairro. O meu apartamento que me escolheu, na verdade. Aterrissei em Porto Alegre como a maioria dos jovens interioranos. Pintada de bixo pela universidade federal, eu falava leitE com convicção. Não acreditava que Porto Alegre seria minha de verdade algum dia, muito menos que a região escolhida para morar faria alguma diferença.

Fui parar na Dona Eugênia porque era perto da Fabico – eu era bixo de Jornalismo na UFRGS – e um amigo o tinha liberado bem na época em que eu devia abandonar Cruz Alta. Entre tantas informações desencontradas, uma era unanimidade entre as amigas da minha mãe:
– Lá é perto do Zaffari bom.
E eu sempre questionava: então os outros são ruins?

Pensava que um hipermercado não seria tão importante na minha vida, muito menos o fato de ter um restaurante dentro dele. Foi só minha mãe voltar para o Interior, a geladeira e as prateleiras esvaziarem para eu descobrir os deleites de ter um Zaffari a duas quadras de casa.

Também descobri que era importante mesmo estar perto da Protásio Alves e da Ipiranga, ao mesmo tempo. Caminhando duas quadras, eu podia pegar um ônibus para qualquer canto da cidade. E, na maioria das vezes, apenas um ônibus era suficiente para alcançar meu destino.

De táxi, nada é muito longe lá de casa também. Conto nos dedos as vezes que gastei mais de R$ 10 ou R$ 12 em uma corrida. Cidade Baixa, Moinhos ou Iguatemi? R$ 10.

Tá, confesso, eu não vou para a Zona Sul muitas vezes. Nem de táxi nem de ônibus. Bom mesmo é ir a pé para a faculdade e, melhor ainda, poder voltar para casa rapidinho quando o professor não aparece.

A Santa Cecília que me escolheu insiste em me acordar com seu sino no domingo de manhã, mas eu perdoo. Perdoo porque adoro o risoto de funghi e o chocolate quente do restaurante do Zaffari e vivo muito mais feliz fazendo hidroginástica na Mergulhinho. Os queridos da Clem Idiomas e da Papelaria do Estudante sempre resolvem meus problemas acadêmicos, e, quando quero fugir do Zaffari, só preciso caminhar mais uma quadra e encontrar o Al Nur. Delícia.

Quando digo que o bairro me escolheu, não estou brincando. Acabo de me mudar. Agora moro no outro lado da Rua Dona Eugênia. Aluguei uma janela, não um apartamento, e estou radiante.

Nunca pensei que enxergar a minha Porto Alegre do sexto andar me faria tão bem.


Para ver direto do jornal, clica aqui.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desabafo - Trancoso


No ir e vir das minhas certezas.




Trancoso




Quando a mão dela tocou na maçaneta da porta, eu já sabia de que tipo se tratava. Com uma calça de marca, um tomara-que-caia preto e mechas californianas nos longos cabelos lisos, não poderia ser outra. O andar arrastado, a bolsa Vitor Hugo, o sotaque xarope e as unhas quase laranja. De perto, uma camada incrível de pó tentava esconder o que um dia foram erupções de hormônios adolescentes. Com os cílios levantados de forma organizada e os braços de quem passara três meses na praia, ela sentou-se.
- Tem o Trancoso, né?
- Oi Luiza.
- Eu preciso muito desse esmalte – disse ignorando qualquer cumprimento da manicure.
- O Trancoso acabou.
O grito que se seguiu fez com que a Kati errasse a pincelada roxa no meu dedão direito. Depois do desespero, ela virou o rosto para a dona do salão. Queria saber por que não tinha mais o Trancoso. Como assim? O que teria acontecido com o pequeno vidrinho laranja que ela usara na semana anterior. E, o mais importante, o que ela deveria fazer agora diante dessa tragédia. Recém acordada que eu estava, só entendi a séria questão quando a moçoila apontou uma solução.
- Vou ter que fazer o pé também, então. Tem horário?
Desloquei meus olhos para o pé 36 numa rasteira que não posso criticar -era roxa com tachinhas, linda – e entendi tudo. O tal laranja Trancoso (da coleção Praias do Brasil, é claro) reluzia nos dedinhos próximos à cadeira. Sem o laranja sociality para as mãos, os pés não poderiam ficar da cor que estavam. Mesmo impecavelmente feitos, ela os faria de novo. Tudo culpa do Trancoso. Ou melhor, da falta dele. Afinal, não usar a mesma cor de esmalte nas mãos e nos pés é um pecado mortal. Não concordam? (Vou chegar em casa e questionar minha mãe por não ter me repassado um conhecimento tão relevante quanto esse em vinte e um anos de existência: use sempre o mesmo esmalte em mãos e pés. Tá, enfim.)
Decidi não olhar os preparativos da função, apenas ouvir. O sotaque meloso já me cansava os ouvidos e desse eu não podia escapar. À contragosto da cliente, outra manicure aproximou-se e iniciou a retirada do Trancoso dos pés. Maria, a preferida de Luiza no salão, estava de férias e isso já se apresentara como outro problema grave. Um, dois, três e foi.
Quero o Atrevida, então. Tá no fim, vai ficar grosso. Ai, não acredito. Usa o Glamour Pink. Não gosto. Que tal o 40 graus? Não gosto. E o Copacabana? Horrível. Já sei, passa o Praia do Rosa. Tá, vou experimentar essa tal praia.
A-I-E, agora quem ficou tonta fui eu. Mas que guria pentelha, credo!

Eu tinha uns quatorze anos quando descobri o advento das manicures. Uma amiga indicou uma que além de ir em casa e ser mestre na arte, era uma santa criatura. A Ana entrou na minha vida assim. Era tão barato fazer francesinha, flores e viajar nas misturas que eu pagava com a minha mesada. Desde o início, porém, minha mãe assumiu um ar reticente quanto a isso. Nunca disse: não faz. Mas também nunca disse: que legal, faz mesmo. Ela me instruía a deixar tirar pouca cutícula, preferia os esmaltes claros e queria que eu soubesse dar um jeito sozinha nas unhas. Ao menos, de vez em quando. Morria de medo que eu dependesse de uma manicure. Justo ela que ama a unha curta e clarinha, só pintou de vermelho uma vez na vida e se preocupa com a ponta dos dedos quando tem casamento, via a filha crescer e descobrir os vermelhos em unhas longas. Herança da minha vó paterna, claro. Pois a mãe me convenceu a usar um tom claro na minha festa de quinze anos (grande feito, o vestido já era pink!) e não usar vermelho nos pés. Nunca passei e nem tenho vontade. Também acabou fazendo com que eu me defenda sem uma manicure-amiga. Assim, minhas unhas ficaram lindinhas quando eu estava na europa e na lagoa mirim. Mas, a primeira coisa que fiz quando cheguei foi ir até a manicure, óbvio.
Hoje, ela bem sabe o quanto eu sou mais feliz quando estou com as unhas feitinhas. E que isso não me torna uma alienada ou uma desaforada. Ir na manicure é uma terapia. Um momento só meu. Como ir no psicanalista, no jogo de futebol ou na natação para alguns. Quando não consigo, fico mesmo mais sem paciência com o mundo. As coisas já andam estranhas nesse planeta, ainda é preciso encará-lo com os dedos acabados? Demais pra mim.

Pois quando a Bete tirou um bife - bife não, bifinho – o que não é agradável, mas acontece nos mais renomados salões, a dita Luiza soltou a pior do dia.
- Ai, mulher. Que desgraçada que tu é – Sem nenhum tom de brincadeira.
Aproveitei que minhas unhas já estavam secas, me despedi das gurias, desejei bom final de semana e me mandei. Que vergonha! Como aquele ser poderia ser da mesma raça e do mesmo gênero que eu. Ainda morava na mesma cidade, frequentava o mesmo salão e tinha uma calça da colcci. E eu ainda gostara daquela rasteira! Saí pensando naquilo e quase dei com o rosto em um senhor e seu carrinho do Zaffari.
A tal Luiza explica um pouco da reticência da minha mãe com unhas, cutículas, esmaltes e manicures. Tenho certeza. Mas, nas palavras da dona Regina mesmo: aprenda com ela a não ser igual, Mari.
A pena é que gostava do nome Luiza e achava bonito o tal Trancoso. De verdade.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Sangue Novo - Despertar

Esse espaço não é egoísta. O Rúcula foi criado para abrigar deleites. Fotos, imagens, textos, delírios. Regados a um bom azeite de oliva, como pede a viciada aqui.
Então, hoje o espaço é do meu irmão, o Marcelo.
Dorminhoca que sou, adorei o delírio ou desabafo dele sobre o despertar.
É o início do Sangue Novo, que está aberto para outros insanos de plantão.





Acordar preguiçosamente. Primeiro ao ouvir o som das cigarras e dos grilos e dos sapos. Como os últimos vivem na cidade? Em que arbusto úmido se escondem? Não sei, mas eles cantam e me despertam. Expreguiçar-se, expreguiçar-se com vontade e ouvir o som que vem de dentro, dos ossos, dos pés, mãos e dedos, das juntas cedendo e estralando. E a automática revirar de lado e perder a batalha com a preguiça: apago denovo. Talvez nenhuma batalha seja tão boa de se perder quanto a com a preguiça. De repente, sapos, cigarras, estralos que vêm de dentro, e estou despertado de novo.
Perceber, abrindo meio olho, que um resto de lusco-fusco entra pela janela e ilumina os pés da cama. Ainda não é tão tarde.


E, como último golpe para remover as amarras que nos prendem ao leito, ouvir, vindo da sala, o barulho do ronco de um chimarrão - valioso sinal que indica, além da parceria para uma conversa, que a bebida quente está pronta para aliviar a estranha friagem de verão e para engolir toda aquela saliva grudada entre dentes e gengiva.
Pulo para fora da cama e já não lembro de qual misantropia eu fora invadido antes de adormecer. Já não me lembro de qualquer sentimento que entreguei àquele sono renovador e que ele gentilmente jogou fora para o meu deleite.
Eu provoquei-o. Eu cheguei com o coração apertado e disse-o: "duvido, duvido que tu sejas capaz de me fazer sentir melhor". E ele que me derrubou, sem antes dar um sorriso sarcástico - essa que ficou marcada como a última imagem que vi.

Por Marcelo Müller - @masmuller

terça-feira, 9 de março de 2010

Desabafo - No mundo dos grandes

No mundo dos grandes

Toda criança quer desenhar na parede. Nenhuma mãe deixa desenhar na parece. Por motivos óbvios, claro. Rabiscar o concreto é forte na infância. Não há quadro negro que substitua.
As crianças viram adolescentes e permanecem desejando escrever. Fixar-se em algo. Talvez a insegurança da juventude os faça correr para os banheiros das escolas, para as carteiras. Mas sempre vem um professor que manda limpar. E lá se vão os registros.
Aí, a criança que tentava desenhar no muro da casa ou usava a parede do quarto para receber declarações dos amigos, passa no vestibular. Entra na federal. Dá um passo na idade adulta. No mundo das responsabilidades, em tese. Agora precisa pensar na carreira, no futuro, em dinheiro.
E o que ela encontra?
As cadeiras, os professores, os colegas e as cervejadas durante a semana. O diferente.
Também.
Mas tinha algo de criança lá. Uma sala toda rabiscada, onde qualquer um podia escrever. E, importante, nenhuma mãe ameaçava colocar de castigo. Ela foi feita para se deixar marcar. Não é um muro de lamentações. Seria de confirmações? Ou de contestações?
Os que tinham de entrar na idade adulta voltavam a ser crianças ali. Soltavam as feras desenhando, escrevendo, declarando. Um alívio num mundo de insanidade. Um pouco de doce insanidade, para ser mais exata. E aquele concreto todo era deles. De todos que fizeram a prova que os deixou entrar naquele portão, ser sujo de tinta e se matricular. Um pedaço de cada, era disso que eram feitas aquelas paredes. Pareciam intocáveis. Perenes como pouca coisa nessa vida. As nossas paredes. Os nossos desenhos. Os nossos escritos. Os nossos devaneios.
Como uma mãe que traz o pano para a limpeza ou a professora que decide fazer um mutirão, nossas marcas encontraram o perigo. Havíamos esquecido que uma tinta qualquer poderia cobri-las. Poderia nos tirar dali. E tirou.
Voltamos das férias para a vida adulta. Nosso pedaço de infância não existia mais. Tudo limpo, branco, imune, extirpe. Nos chamaram para o mundo dos grandes. Pintaram as paredes do Dacom.


terça-feira, 2 de março de 2010

Desabafo - Maior que eu


Se eu andar desabafando demais, alguém me manda ficar quieta, por favor?
Isso anda é me fazendo bem, confesso.
E, ao que tudo indica, terça-feira é dia de Rúcula. Veremos...



Maior que eu



Meu irmão diz que a culpa é dos romances que eu insisto em não largar. Já ouvi que pode ser culpa das comédias românticas. Mas faz tempo que não vejo nenhuma. Também li que invencionices é coisa de jornalista. Sagitariana? Pior ainda. Ou coisa de criança que brincou bastante. Leu, correu, fez teatro, dança, fantasiou. E não parou de fantasiar.
Não sei. O fato é que eu fantasio e bastante. Crio personagens, cenários, roteiros. Acordo e me coloco noutro lugar do globo com a maior facilidade. Aí, eu derrubo um pote inteiro de maionese no chão e me lembro onde estou, o que tenho que fazer, para onde vou e que (droga!) ainda tenho que limpar o chão.
Resultado ou não disso, meu coração tem um quê de independência. Como outras várias partes do meu corpo, aliás. Muitos já devem ter me ouvido dizer: meu útero tem vida própria. Pois tem mesmo. Ou melhor, tinha. Agora ele tá sob controle, rá! Viva a tecnologia. Mas isso tudo é culpa do que acreditamos. Do que eu acredito, na verdade. Eu admiro a independência das pessoas, das coisas, dos animais. Então, o que me acontece? Os meus criam independência.
Quem mandou levantar a bandeira?
Ninguém.
Bom, andei relendo algumas coisas aqui no Rúcula e vi que ele anda super citado. Quem? Meu coração sagitariano. Então, queria era escrever sobre ele. Insanidade?
Talvez.
Mas hoje ele tá pulsando. E muito.
Não digo que ele seja independente, como o útero ou as unhas. Mas ele tem personalidade. Ah, isso tem.
Pula, pulsa, ganha cor e se alegra. Mas não me conta por que, o cretino!
Fico eu, bem bela, felizona sem saber explicar ou entender. Tá, sei que nem tudo na vida tem um porquê, diferente do que os jornalistas pensam.
Mas bem que eu queria saber (curiosidade jornalística, sabe?), por que ele se arrepia tão fundo com aquela música, com aquele brilho no olho, com aquele texto, com aquele ambiente.
Por que eu posso passar frio, calor, sono, tomar um banho de chuva e, ainda assim, amar aquela pauta?
Tá, eu também tenho meus momentos de crise com o jornalismo. Mas sempre que chego ao cansaço ou indisposição física com ele, chego em casa feliz. Isso é incrível!
Só pode ser coisa de pele. Química. Cheiro. Coração. Essas coisas.
Não é racional, não faz sentido algum. É maior que eu.
Só sei que as unanimidades do meu coração são unanimidades e ponto. A não ser que o tempo vire tudo de cabeça para baixo, meu petit ainda vai bater desesperado quando passar perto delas.
Não tem discussão e não sou eu quem controla. É o ser quase independente em questão mostrando a que veio.
Para mim, restam os sinais.
Mão suada, bochecha rosada, tremores, riso no canto da boca, cansaço que não vem, sono que esqueceu de mim. E uma alegria que transcende.
Nossa!
Tá, vou parar de especular e contar algumas unanimidades. Poucas, mas entendam. Nem todas eu identifiquei. É maior que eu.
1- Mãe, pai, Marcelo;
2- Avós;
3- Livros, a palavra;
4- Amigos especialíssimos;
5- Mar;
6- Jornalismo, reportagem;
7- Paris.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Desabafo - Quedou-se

Quedou-se

Lá em casa, professor sempre foi um ser superior. Em relação às outras casas, com a mais absoluta certeza. Ele (ela, na maioria das vezes) era o cara que detinha algo que nós, as crianças, não tínhamos e precisávamos muito. Sem esse algo não seríamos alguém interessante no futuro. Na verdade, nem mesmo uma criança interessante. Quem pode ser interessante sem uma leve pitada de conhecimento?
Com sucesso, minha mãe conseguiu fazer com que acreditássemos nesse ser: o professor. E olha que isso é uma causa quase perdida! (Um viva pra minha mãe!) Fez com que acreditássemos que eles eram importantes, que sabiam mais que nós e que, mais do que tudo, nos fariam um bem. Acho que isso resume tudo: um professor faz um bem.
Na verdade, os professores só tem duas alternativas segundo uma teoria super desfundamentada que alimento: o bem ou o mal. Eles tem a capacidade de mudar vidas, de verdade. Basta escolher para que lado... Simples assim.
Mas como meus pais são bem ligados, eles também conseguiram fazer com que desenvolvêssemos um senso crítico (o meu um pouco acima da média, mas tudo bem). Com o passar dos anos, conseguimos ver que aquele professor poderia ter falhado em alguma coisa ou que não era aquilo tudo mesmo. O quê meio místico da história, no entanto, sempre foi preservado. Pelo menos para mim. E isso me fez bem, acreditem.
Não posso assinar embaixo dos pensamentos vorazes do meu irmão. Segundo filho, rapidez, acho que vocês sabem como funciona, não? Resultado: sou bem mais na minha que ele. Pro meu bem. Ou mal, ainda não sei.
Assim, acho que o Marcelo descontruiu essa mítica muito antes do que eu (como tantas coisas que ele descontruiu antes que eu, enfim), mas algum dia ele também a sentiu por perto, certamente.
A questão é que, para mim, as professoras sempre foram AS professoras. Um pouco acima de mim. Detentoras do conhecimento. Poderiam ser legais, bacanas ou chatas. O relacionamento estava dentro do portão da escola e só. Era aquela coisa de criança mesmo: a minha professora.
Aí vem o tempo e desembaralha algumas coisas. Não tira o sentido, mas desembaralha.
E tchantchantchan!!!
Eu descobri que tinha crescido quando uma professora deixou de ser só professora. Ela era uma amiga!
Como assim?
Ela conhecia minha casa, meus pais e alguns segredos. E a adoração singela de criança foi cedendo espaço para o carinho normal de amizade. Uma amizade bacana, mas uma amizade.
De igual para igual. Nada de ser superior.
Quedou-se (por que raios o português não tem esse verbo lindo? vou implantar) o encanto.
Sei que fiquei muito tempo pensando nisso. Não conseguia equilibrar perdas, ganhos e estranhezas. Primeiro, pensava que era um problema não ter mais esses seres superiores na minha vida. Ou ter menos. Depois, que jamais seria a mesma. E a gente nunca mais é a mesma, mesmo. Hoje, amanhã, depois...
Aí, vieram outros tantos amigos diferentes. Mais velhos, mais novos, sem idade e eu descobri que não é tão complicado assim ser grande.
Hoje, a minha ideia é a seguinte. Vou fazer minha mãe escrever o Manual do Ser Superior e, assim, a tese não terá fim. Se eficiente eu for, conseguirei construir a mesma mítica para os meus filhos e a retroalimentação terá início. Oxalá!


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Desabafo - Do que elas já foram ou fizeram um dia


Acabo de outorgar (sim, as coisas não andam muito democráticas) uma nova definição aqui no Rúcula.
O Desabafo.
Quiçá (como eu gosto dessa palavra!), ele mude de nome em um momento criativo, mas, por ora, fica assim.
Quando eu achar que o escrito em questão tem um quê de indefinição e/ou uma ausência de qualidade, vira Desabafo.
Por favor, não pode ser qualquer coisa para chamar de Crônica. Não com um Rubem Braga do lado da cama.




Do que elas já foram ou fizeram um dia


Estava aconchegada para dormir, o cansaço semi-cerrava minhas pálpebras e meu cérebro calculava as horas de sono que eu teria pela frente. Eis que meu coração (que é algo fora do meu total controle) deu um pulo ao ouvir aquele descompensado “fazer amor de madrugada...”.
No terraço da frente do meu prédio, sombras de adolescentes gritavam, tocavam e cantavam com o desafino e o desatino de quem tem quinze, dezesseis anos. Pouco lhes importava se o relógio se aproximava da meia noite. Sorte deles.
- Robôcop gaaaay, robôcop gay. Aaaah, eu sei, eu sei.
Perdi o sono. Num avançar descontrolado, caí nos meus quinze anos. Falando assim parece que faz mil anos. Tá, eu sei que faz só seis. Mas entre os quinze e os vinte e um, há quase um abismo. Pelo menos para mim.
Não uso mais Gang. Não bebo coca-cola com vodka. Mal sei o que é vestibular. Não gosto mais do Breno. Livrei-me do Armandinho. Não leio Meg Cabot. Não moro mais com os meus pais. A minha atual cidade tem cinema (urrúl).Tenho salário (mísero, mas tenho). E não sou mais virgem. Pô, isso é quase um Himalaia de distância.
Tá, pijama do Snoopy e da Hello Kitty, eu tenho (e vários), confesso.
Parênteses: meu lado gay continua a milhão, não se preocupem. Última aquisição: uma chaleira de girafa. Sim, isso existe e é LINDA!
Fechou. Vooolta!
Ainda assim, eu me ouvia naquele terraço. A diferença era que as minhas noites de luau aconteciam na beira da praia, não em meio ao asfalto. Deve ser culpa do aquecimento global, penso. De resto, tudo igual.
Os guris tocavam, ou melhor, passavam as mãos num violão. E batucavam no que enxergavam pela frente. Fosse o que fosse. Uma cadeira de praia, um isopor ou uma lata de cerveja. Não importava. E na minha turma, pelo menos, eram sempre os guris que tocavam violão, por incompetência nossa, talvez. E sempre as gurias que decidiam as músicas. Por competência, quem sabe.
O motivo era se encarar. Seguindo uma das frases mais sábias da minha mãe (e olha que ela tem várias):
- Mariana, é preciso atritar-se.
Olho no olho. O início da transgressão. Do crescimento. Do descobrimento. Ou sabe-se lá o nome que se dá pra isso. Enfim. Um gole de alguma mistura etílica, um rolinho, um grito desafinado e a madrugada sendo invadida. Nada como urrar “meu erro” ou “maluco beleza” sem medo de ser feliz.
Entre cantorias, gritinhos e risadas, o silêncio. Algum vizinho deve ter reclamado, aposto. Alguém sempre reclama. No auge do nosso forró catarinense, certa vez, um ovo foi arremessado da sacada. Cinco minutos de desespero e pavor. Que faremos? E agora? Polícia? Síndico? Que nada. O da viola decide que a boa é desenterrar Ana Júlia (credo, Ana Júlia!). E já era.
Eu precisava acordar cedo no outro dia, mas a saudade do meu copo de caipirinha e dos meus cabelos imensos, me fizeram pular da cama. Levantei, abri o note (e tinha uma época que eu abria um caderno velho) e escrevi.
O motivo disso tudo? Um apelo.

Familiares, amigos (interioranos, fabicanos, alternativos, todos), colegas de trabalho (ui, idosa!), blogueiros ou leitores (se é que os tenho), prestem atenção:


Se um dia eu for a velha irritada que liga pra polícia, grita “psssssssiu” ou joga o ovo cru nos pequenos transgressores, por favor, me lembrem, repitam, gesticulem, gritem:

- Mariana, tu já foste bem gritona e barulhenta também. ****

Isso é parte da minha teoria de que o mundo poderia estar muito melhor (e menos ranzinza!) se as pessoas lembrassem e/ou estivessem cientes do que elas já foram ou fizeram um dia.




**** Nos confins do meu finado fotolog, encontrei até uma foto para comprovar ou ilustrar o texto, como queiram.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Crônica - Espaço para o vazio

Espaço para o vazio

Se tem uma coisa que aprendi é que ganhamos muito mais quando pouco esperamos. Ou, podemos ganhar muito, o que já é bom. Isso não me ajudou a colocar pouca expectativa nas coisas que desejo no fundo da alma – maldita mania! - mas já reconheço como uma verdade. Também não significa que não devemos enfrentar a peregrinação até aquilo que faz o estômogo revirar. A questão é a seguinte: que tal dar uma chance ao vazio?
Quase sempre que saí correndo de casa, decidi na última hora, ganhei um ingresso, fui acompanhar um amigo ou simplesmente “cumprir a tarefa”, me surpreendi. E essas surpresas são daquelas que tocam tão fundo. Corações sagitarianos como o meu são suspeitos, adoram.
Quando não se tem expectativa nenhuma, se descarta aqueles 50% de chance de algo dar errado ou desagradar. Se estende a mão para o vazio, para o incerto, para o duvidoso. O desconhecido ganha uma chance. Renegado que é, muitas vezes, agarra-a com toda a força.
É aí que ganhamos. O estranho que conversamos por educação revela-se um grande amigo, a cidade sem graça vira paixão, o livro com capa feia não sai do lado da cama e a música estranha repete nos nossos ouvidos sem pedir licença.
Foi assim com filmes, shows e peças de teatro sem grandes logomarcas. Saí desconcertada. E eu adoro ser desarranjada pela arte. O que teria acontecido se eu não tivesse visto isso? Que Mariana eu seria se não tivesse entrado naquele trem rumo a Madri? Ou naquele teatro, naquela aula, naquele livro, naquele corredor?
Melhor não pensar em quem eu seria ou deixaria de ser e continuar dando voz, palco e tempo ao desconhecido. Em meio a um tic-tac de relógio que mais parece o das bombas dos desenhos da Warner, nada como um pouco de ar(te).

Uma pequena listinha (mania feminina ou coisa de mãe?) do que andou me desconcertando no final de 2009.


- Filme:
“Apenas o fim” – Direção e Roteiro: Matheus Souza. Retrata uma geração através de seus ícones. Brasileiro, universitário, meigo, super roteiro e baixo orçamento. Quer mais o quê?

"E se eu tivesse terminado com você no dia seguinte da nossa primeira vez? Você nem saberia o que é uma batata frita com refrigerante no café da manhã."

Dá uma olhada no trailer: http://www.youtube.com/watch?v=52fgo07LDbk&feature=related


- Livro:
“No teu deserto” do português Miguel Sousa Tavares. Bem escrito, grande história e grande sotaque. Daqueles pra ler devagar, economizando. Apaixonante.

"...só houvera duas escolhas possíveis: ou nos tornávamos íntimos, cúmplices e um apoio recíproco, ou o deserto torna-se-ia um inferno, todos os dias."


- Música:
“Feito pra acabar” – José Miguel Wisnik, Marcelo Jeneci e Paulo Neves. Um obra única, encantadora e instigante. Só poderia mesmo ser resultado da união de um grande poeta com dois super músicos de gerações diferentes.

"A gente é feito pra acabar. A gente é feito pra dizer que sim. A gente é feito pra caber num mar"

Aqui o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=YogRHBKZY_8&feature=player_embedded


sábado, 2 de janeiro de 2010

Crônica - Bonjour, noooossa!


Bonjour, noooossa!


Paris tem que ser a última cidade, sentenciou meu pai. E não me inventa de querer ficar menos de cinco dias. Tá bom, pai. Sete dias então. Vou marcar a passagem, avisou.
Enquanto eu desenrolava com ele esse diálogo pelo skype, a luzinha do msn piscava, um recado entrava no orkut, um amigo estava online no facebook e eu, ainda, encaminhava um e-mail. De tempos em tempos, olhava aquele texto parado no word, acrescentava uma palavra e retirava uma vírgula. A conexão Porto Alegre-Cruz Alta fluía com calma e uma certa destreza. Nada de tirar o fôlego. Nada que me fizesse refletir sobre aquela certeza carregada na voz dele quando indicava o norte do meu passeio. Entre um aceno e outro para minha mãe na webcam, a tecnologia do século para filhos distantes de mães coruja, falhei. O ciclo das mil tarefas arrastou meu senso crítico para o outro lado da mesa.
Aquele som acolhedor que conheço desde pequena ressoou na minha cabeça só uns dois meses depois. Eu tinha medo de cair da moto e meu novo amigo voava. Agarrada nas suas costas, enxerguei meu cotovelo ralado naquele virar de quadra. Imaginei-me no chão. Vislumbrei a cena do acidente em um plano-sequência. Para onde me levaria aquele amigo do amigo que eu havia conhecido nos últimos cinco minutos? Meu falado seguro saúde romperia a lógica garantida pelo meu pseudo-cunhado: isso a gente paga pra não usar, Mari. Com sorte, só quebraria um osso. O primeiro osso quebrado da vida. Sendo da cintura pra cima, beleza. A gente precisa mesmo é das pernas pra fazer turismo. Será? Fechei os olhos. Ouvi minha vó dizendo tô rezando. Então tá.
- Mar-ri-anne – disse o francês apaixonado pelo Brasil.
Arthur não precisou dizer mais nada. O sotaque charmoso e a versão francesa do meu nome arrancaram-me do acidente que não aconteceu, do provável socorro e dos problemas diplomáticos que eu acabara de criar com essa cabecinha fantasiosa.
Não, aquilo não parecia pertencer a esse mundo. Era bonito demais. Grande demais. Encantador demais. Aquelas tardes de inverno que eu passava unindo peças de lego em frente da lareira voltaram à minha mente sem pedir licença. Sabe quando a gente escolhe a melhor peça do lego para encaixar no centro da mini-cidade? Ou quando a gente compra um móvel fantástico para decorar uma casa no The Sims com a facilidade de um clique? Tá, vou pensar em outro exemplo para quem não cresceu na década de noventa. Aquela super peça era, ao mesmo tempo, estonteante e simples.
Não falei nada. Senti o vento que batia nos meus cabelos e ergui o acrílico do capacete. Aquilo era a torre. Aquilo parecia um brinquedo gigante. Aquilo era Paris! E aquele ponto rosa embriagado de emoção era eu. Um noooossa ecoou com força dos meus pulmões. Foi involuntário.
Com a tranquilidade de um porto-alegrense que atravessa o Arroio Dilúvio todos os dias, Arthur encontrou o Sena e o Louvre. Arranquei-lhe uma gargalhada com outro noooossa. Passamos voando e eu, sem medo, por dentro do mais famoso dos museus. Como que ninguém tinha me dito que passavam carros, ônibus e motos frenéticas por um dos pátios do Louvre? Fotografá-lo inteiro para colocar no álbum? Só em foto aérea!
Foi nesse segundo noooossa que a voz acolhedora e carregada de certeza do meu pai voltou com toda a força à minha cabeça distraída.
- Não me inventa de querer ficar menos de cinco dias.