domingo, 24 de maio de 2009

Livros - Conexão Pampa-Nova York

Poderiam os ataques terroristas de 11 de setembro serem utilizados como recomeço ao invés de fim? Qual a ligação entre Passo da Barca e Nova York? E entre um interiorano endividado e a rede Al Qaeda? Qual a reação possível diante do telefonema de um morto pedindo socorro? O que parece claramente ficção desde a sinopse ganha traços fortes de realidade no desenrolar da novela de Tailor Diniz.
Em “Um Terrorista no Pampa” o improvável é verossímil, por mais difícil que isso possa parecer. E é a linguagem, com certeza, que rege com maestria essa relação. A história do homem endividado que decide se passar por vítima do falado atentado de 11 de setembro e depois volta atrás na decisão surpreende por ser estruturada como romance policial. Trata-se de um enredo com muita informação e criatividade. Além disso, efetivamente bem administrado.
O protagonista, Homero Mergé, não decide apenas fazer-se de morto e permanecer em Nova York, abandonando os problemas familiares e as dívidas no Brasil. Anseia reconhecimento pela morte na tragédia. Assim, ao tentar verificar com um amigo como a pacata Passo da Barca está após sua morte, um Mergé decepcionado retorna ao Rio Grande do Sul. E é essa a largada de uma trama peculiar e envolvente.
Característica comum das novelas, o livro pertence a série “Novelas Exemplares” da editora Leitura XXI, a curiosidade pelo capítulo seguinte é presença constante. O retorno de Mergé, o medo de ser assassinado, a confissão do segredo ao professor Cervante. A cada nova linha, a cada nova revelação, a trama se constrói e instiga o leitor. São muitos pontos de interrogação em meio ao palavreado e aos ditados característicos do pampa gaúcho.
Passo da Barca é pura ficção. No nome, é claro. Ela poderia ser Ijuí, Panambi, Cruz Alta, Júlio de Castilhos ou qualquer outra cidadezinha a escolha do leitor. A estrutura é especialmente verdadeira. Há a zona ou o “inferninho”, para os íntimos, um Clube Caça e Pesca, além de um barbeiro fofoqueiro. A maioria dos moradores se conhece e, normalmente, sabe até demais sobre a vida alheia. Radialista figura entre as autoridades e nomes estranhíssimos são comuns. Ou é normal encontrar um Edemertílio ou um Dilonério em Porto Alegre? Para completar, em Passo da Barca ainda há leiteiro e ruas de paralelepípedo.
Em “Um Terrorista no Pampa”, todos os detalhes são merecedores de atenção. Com um enredo quase lunático, Diniz reconstrói traços clássicos do interior com a fluidez de quem conhece. E isso contagia. É interessante enxergar a posição de outros gaúchos com vivências e conceitos tão distintos dos metropolitanos. Melhor que enxergar diferenças culturais é fazer isso sem esforço. Se há o desejo do autor de mostrar essa distância, ele, felizmente, não é claro, didático ou enfadonho. A trama policial bem amarrada carrega o leitor com carinho até o desfecho surpreendente. O que está no recheio é saboreado aos poucos. E com gosto.



Por Mariana Müller

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Ano da França no Brasil – Reflexio



Olhar francês em Porto Alegre
A origem latina dos termos reflexo e reflexão – Reflexio - batiza a exposição que estará entre abril e agosto no Santander Cultural. Parte fundamental da programação porto alegrense do Ano da França no Brasil, a mostra reúne grandes fotógrafos franceses da contemporaneidade. Catherine Rebois, Eric Rondepierre, Jean-Luc Moulène, Patrick Tosani, Suzanne Lafont e Valérie Jouve fotografam, experimentam, editam e, assim, apresentam um trabalho único aos gaúchos.
Divida em espaços que salientam a individualidade de cada artista, as fotografias e os vídeos se encarregam de colocar a singularidade nos holofotes. Em Reflexio – Imagem Contemporânea da França, o coletivo não suplanta o individual. Os trabalhos tratam de uma mesma época, a que vivemos, sob perspectivas e câmeras distintas.
A heterogeneidade marca a exposição. Há quem, por exemplo, retrate temas já visitados utilizando-se de outro olhar. É o caso do cotidiano de Valérie Jouve, dos encaixes imperfeitos dos corpos de Catherine Rebois e da solidão de Suzanne Lafond. Mouléne registra pixações em túneis franceses para mostrar o que não é visto, mas está disponível aos olhos. Rondepierre, no entanto, não fotografa a partir do real, busca outras midias, como o cinema. Tosani tem gosto pelo inusitado. Com ele, unhas ganham super ampliação e um homem mistura-se a textos em braile.
Montada exclusivamente para vir à Porto Alegre, sob o comando de Ligia Canongia, crítica e curadora indepente carioca que morou na França por nove anos, tem a inovação e a aproximação como norte. “Em relação a arte, nosso país ainda tem traços xenófobos. Há um afastamento do que se produz no mundo que precisa ser reduzido”, esclarece a curadora. Reflexio traz o contemporâneo em destaque como linguagem, como forma de pensar o mundo e a própria arte.




O encaixe imperfeito da obra de Catherine Rebois



O fotógrafo Rondepierre e suas obras multimidiais.


Por Mariana Müller
Fotos Renan Sander