quarta-feira, 22 de abril de 2009

Adaptações - Uma igual no Divã

Uma igual no Divã

Muito se fala sobre a obra da gaúcha Martha Medeiros. Também muito se fala sobre o cinema brasileiro que gera grandes bilheterias. Clichê, lugar comum, aquilo que se deseja ouvir, entretenimento puro, enfim. O filme Divã, que estreou dia 17 nos cinemas, pode, sim, arrecadar alguns desses adjetivos. Entretanto, há um forte argumento a seu favor: a identidade.
Baseado no livro homônimo da escritora gaúcha Martha Medeiros, lançado em 2002 e dirigido por José Alvarenga Jr., diretor que foi reconhecido pela série Os Normais, o filme está muito próximo do livro. Lilia Cabral, que interpreta Mercedes, uma quarentona que decide buscar na psicanálise respostas para uma vida que ela considera ‘feliz demais’ repete trechos do livro com pouca edição e a propriedade de uma grande atriz. Para quem leu, fica aquela sensação de revival.
Lilia tem efetivamente intimidade com o texto de Martha. Ela interpretou o Divã no teatro por três anos, alcançando a marca de 175 mil espectadores. Segundo a atriz, a linguagem usada no teatro sofreu grandes adaptações até chegar às telonas, o que era de se esperar. Entre cenas hilárias e outras nem tanto, é possível dizer que Lilia encontrou o tom. Destaque, também, para a interpretação de José Mayer, o marido, e Alexandra Richter, a melhor amiga. Muito do que é narrado no livro está bem montado no filme e, embora haja um ar de superficialidade, existe, sim, reflexão. O medo que a protagonista tem do seu “happy end” provoca o público, não só o feminino. Afinal, insatisfação, dúvida, medo e inconstância não são características exclusivas das mulheres.
O grande mérito da montagem, com certeza, é a identificação. Mercedes é claramente real. Pode ser uma irmã, uma mãe, uma prima, uma filha, uma amiga. São muitas mulheres. É uma personagem que, dessa forma, une características diversas, tornando-se, por vezes, quase caricata. No entanto, aprovando ou não o texto de Martha não é possível afirmar com firmeza que não havia uma conhecida em Mercedes. Uma conhecida ou você mesma. E isso cativa.
O público que assiste pode ter ido até o cinema em busca apenas do riso, o falado entretenimento puro. Vai encontrar isso. Há cenas muito bem elaboradas e efetivamente divertidas e outras com humor fraco, que poderiam ter sido desprezadas. Porém, o espectador vai ir, de uma forma ou outra, além do riso. Talvez não encontre a reflexão proposta nas entrelinhas, não repense nada na sua vida, mas vai ir além. O filme não propõe moral alguma, e, ainda assim, se faz entender.
Quem assiste, enxerga uma igual no Divã. Entre qualidades e defeitos, dúvidas e certezas, há um pouco de cada um de nós em Mercedes. Não há como negar. E isso é ir além. Então, que cada um identifique-se como pode, consegue ou deseja. O Divã de Martha, Lilia e Alvarenga Jr. está aberto. É só sentar e acomodar-se.

Fútil, superficial ou o adjetivo que preferirem, eu me encontrei aqui. “Uma unha quebrada e a gente se ferra”, reclama Mercedes.
Fica o trecho célebre do livro, altamente difundido na Internet.

“Sempre desprezei as coisas mornas, as coisas que não provocam ódio nem paixão, as coisas definidas como mais ou menos. Um filme mais ou menos, um livro mais ou menos. Tudo perda de tempo. Viver tem que ser perturbador, é preciso que nossos anjos e demônios sejam despertados, e com eles sua raiva, seu orgulho, seu asco, sua adoração ou seu desprezo. O que não faz você mover um músculo, o que não faz você estremecer, suar, desatinar, não merece fazer parte da sua biografia.”

News - A largada da FestiPOA

A largada da FestiPOA

Em sua segunda edição, a FestiPoa Literária - Festa Literária de Porto Alegre iniciou hoje com conversa e lançamento de antologia na livraria Letras e Cia. Além do autor homenageado desta edição, Luis Fernando Verissimo, estavam presentes os autores Fabrício Carpinejar, Leonardo Marona e Reginaldo Pujol Filho. Num bate-papo descontraído e próximo do público, que lotou o café da livraria, os autores falaram sobre humor, crônicas, poesias e, claro, Verissimo. O livro "O melhor da festa", lançado hoje reúne textos de 36 autores que participaram da Festa em 2008.
Na semana em que se comemora o Dia Nacional do Livro, 23 de abril, a FestiPOA, evento de artes e literatura, promete uma maratona para os amantes dos livros. Estão programados saraus, palestras, espetáculos musicais e rodas de discussão e leitura em diversas partes da capital. Uma promoção do jornal Vaia, juntamente com as livrarias Letras e Cia e Palavraria, a Festa ganhou o apoio da Câmara Riograndense do Livro.
O grande objetivo, segundo os idealizadores é fazer com que o público que aprecia literatura tenha atividades também fora do período da Feira do Livro. Fernando Ramos, editor do Vaia, acredita que há espaço. "Grande parte do público que lota a Feira do Livro em novembro permanece na cidade durante o ano", acrescenta. Carpinejar elogia, "O nome Festa já é ótimo, tende a celebração".
As atividades se estendem até o dia 25 e o acesso do público é gratuito. Para conferir a programação completa, basta acessar o site www.artistasgauchos.com.br/festipoaliteraria.


Por Mariana Müller

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Tamanho XG - As grandes reportagens

Tamanho XG - O espaço do Rúcula para as grandes reportagens

Permissão para fazer nada




Conceito desevolvido por gaúcho valoriza a importância de se desenvolver o hábito de parar



Fazer nada também é aproveitar o tempo. A frase soa estranho num mundo em que o tempo está diretamente relacionado com dinheiro e produtividade. A palavra nadismo, então, surpreende. Idealizado pelo consultor criativo gaúcho Marcelo Bohrer, o conceito valoriza a importância de momentos sem compromissos ou cobranças visando qualidade de vida. “É preciso reaprender a parar, praticando nadismo sem culpa”, salienta.
A raiz do conceito está na vivência de Bohrer. Trabalhando mais de doze horas por dia, sentiu na pele os efeitos do estresse. Em 2003, sofreu um burnout, colapso físico e mental por excesso de trabalho, que o levou para o hospital. “Meu corpo já dava sinais de estar no limite, mas como a maioria, resisti em parar”, comenta. Intrigado com a relação entre o tempo e a qualidade de vida em uma sociedade alucinada, partiu para a experiência que daria origem ao conceito do nadismo. Em Londres propôs em meio a Liverpool Street, movimentada estação de metrô, que os pedestres aprendessem a fazer nada por dez minutos ao custo de dez libras. Houve incentivos e elogios à idéia, mas ninguém parou. “Elas tinham dez libras, mas não dez minutos”, conclui. Seria preciso ir além. Para fazer com que as pessoas se permitissem parar, surgiu a proposta do Clube de Nadismo. Nele são realizados encontros onde os associados reúnem-se para desfrutar quarenta e cinco minutos de puro ócio em belos parques. Com uma “atividade” oficial e horário marcado na agenda, o ato de parar é justificado e, então, aproveitado sem qualquer sentimento de tempo perdido ou culpa. O Clube legitima a importância do não-fazer em meio a um cotidiano atribulado.
Hoje, já são mais de cinco mil sócios espalhados pelo Brasil e pelo mundo que tem como símbolo o cubo branco. É também o cubo branco, que representa o vazio, a marca nos locais dos encontros nas mais diferentes cidades. Em Agosto de 2008, ocorreram os primeiros eventos internacionais em Londres e Munique. A próxima edição deve ocorrer em Nova York no início de 2009. Lá, os sócios desfrutarão de momentos de nadismo em pleno Central Park. Embora o criador acredite que os encontros proporcionem um astral de serenidade propício para os ansiosos, a idéia é que, com o tempo, os sócios consigam inserir pequenas pausas para a prática do nadismo no seu cotidiano. “A proposta é que se adote o hábito de parar de vez em quando para fazer nada. Dez minutos já podem ajudar”, esclarece. A psicóloga e doutora em “Ócio e Potencial Humano” pela Universidade de Deusto na Espanha, Ieda Rhoden apóia o movimento, “É preciso ensinar a parar, este é o valor da proposta”. Tatiana Jacobsohn, 23 anos, sócia do clube, acredita que numa sociedade em que cada vez mais as pessoas querem ter tudo, o que realmente precisam, muitas vezes é “um pouco de nada”.
Para aqueles que não são adeptos da idéia, o difícil parece ser compreender o que é exatamente fazer nada. Nos encontros do Clube, os sócios recebem tapetes e acomodam-se na grama. É preciso não ter pensamentos produtivos, apenas relaxar. “Não tem propósito. Toda a atividade que a pessoa desenvolva com um objetivo definido não pode ser considerada nadismo”, esclarece o fundador do clube. Assim, dormir, assistir televisão ou conversar estão fora de questão. Praticar o nadismo é dedicar-se exclusivamente a fazer nada aproveitando o tempo livre e descompromissado.
Em 2008, Bohrer lançou um livro que esclarece por completo o nadismo e ensina, passo a passo, como fazer nada. Nadismo – Uma Revolução Sem Fazer Nada (Editora MegaLivro, 165 páginas, preço médio R$30, 00) faz o leitor compreender a importância de inserir pequenos momentos de ócio em sua rotina através do conceito revolucionário de que fazer nada também pode ser uma forma de aproveitar o tempo com qualidade. Há, ainda, as quatro diretrizes (Stopnjoy; Entregue-se; Sossegue; Observe.) que auxiliam no sucesso da prática. “Me dei conta de que o ato de fazer nada estava banido da cultura contemporânea como se fosse um pecado mortal. A proposta é que se escolha, às vezes, fazer nada de propósito permitindo-se desfrutar desse tempo, o que é praticamente um luxo hoje”, reforça. O livro recebeu o apoio do jornalista britânico Carl Honoré, autor do best seller Devagar, que há anos trabalha em prol da melhor qualidade de vida a partir da boa administração do tempo.
Em meio a vida corrida, ao estresse e as cobranças excessivas da nossa sociedade, o nadismo surge como uma outra possibilidade para os que visam uma vida com qualidade. “É a permissão para parar, foi criado para abrir uma brecha, dar a oportunidade. Para subverter o sistema”. Ainda segue na contramão dos valores que hoje nos sustentam e que fazem com que quase 70% dos brasileiros sofram de estresse. No entanto, o número de sócios do Clube, basta entrar no site (www.clubedenadismo.com.br) e associar-se gratuitamente, cresce a cada dia. A palavra que hoje ainda soa estranho aos ouvidos ansiosos e estressados – nadismo- começa a ser compreendida como prática que visa, principalmente, o bem viver. O consultor criativo sintetiza, “As pessoas tem o direito de ter uma vida saudável e com qualidade. Elas tem o direito de parar”.


Por Mariana Müller

terça-feira, 14 de abril de 2009

Livros - Escale a Cordilheira

“Como qualquer mulher, Anita tinha medo de ser julgada como louca.”

Solta e sem referências, assim como está aí em cima, jamais afirmaria que o autor dessa frase é o ex-fabicano, gaúcho por vivência (ou opção?), gremista e, por vezes, barbudo, Daniel Galera.
A frase tem um certo ar de lugar comum, som repetido, palavra já dita. No entanto, é crua, fria e direta. Tenho minhas dúvidas se, nós, mulheres, admitiríamos esse medo com tanta franqueza. Analisando bem, ela é toda testosterona.
Anita é a bem construída personagem principal do novo romance de Galera. “Cordilheira” foi lançado em outubro de 2008 e é o primeiro do projeto Amores Expressos. A série que levou escritores para lugares distintos do globo para que escrevessem uma história de amor e arrancou críticas de todas as espécies aterrissou Galera em Buenos Aires. É na capital porteña que a jovem escritora paulistana, Anita, vive sua estória.
O romance não é exatamente uma história de amor, como pretendia inicialmente o Amores Expressos. Ele caminha entre as certezas e as incertezas de Anita. Entre o que o mundo espera dela – que continue a escrever - e o que ela deseja: um filho. Na verdade, a juventude e suas incertezas é um tema recorrente na obra de Galera. “Até o dia em que o cão morreu”, adaptado para o cinema por Beto Brant, e o excelente “Mãos de Cavalo” também levantam as expectativas, ou a falta delas, os medos e as certezas que atingem as cabeças de quem está entre os vinte ou trinta anos. O grande mérito, acredito, não é apenas levantar essas questões. É fazê-las com verdade. Com uma narrativa bem estruturada e sem “papas na língua”- por vezes tenho a sensação de ouvir um amigo da faculdade falando- os personagens efetivamente parecem reais. Há verossimilhança no texto de Galera. Também há loucura, claro, e não é pouca. Contudo, a loucura é apenas uma pimenta na dose certa, engrandece o prato. A sutileza do capítulo inicial, por exemplo, estrutura a vida da personagem de uma forma única.
Em comparação com as obras anteriores, o romance detona o esforço do autor em dar voz a uma personagem feminina. Os homens sempre foram, no mínimo, maioria em seus textos. Agora há Anita e o seu útero (como ela fala nele!) e fala na terceira pessoa do singular, outra novidade. Nada do conhecido “tu vai”, retrato fiel do cotidiano gaúcho e, de certa forma, uma marca em seus outros livros.
Em meio ao “vai-não-vai” da jovem, o autor destaca um tema interessante para o debate: a distância entre ficção e realidade. A relação dos autores com suas obras é discutida à medida que a personagem se envolve com um grupo, digamos, excêntrico, de autores argentinos. A escalada até o topo do Ushuaia com Anita e Galera é instigante e prazerosa. Flui. Fica um trecho.

“Atribuir um propósito superior a um lance qualquer na vida é construir uma ficção muito pessoal. Dar sentido ao mundo é um ato criativo. Uma visão de mundo é uma narrativa.”

Por Mariana Müller