terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Desabafo - Quedou-se

Quedou-se

Lá em casa, professor sempre foi um ser superior. Em relação às outras casas, com a mais absoluta certeza. Ele (ela, na maioria das vezes) era o cara que detinha algo que nós, as crianças, não tínhamos e precisávamos muito. Sem esse algo não seríamos alguém interessante no futuro. Na verdade, nem mesmo uma criança interessante. Quem pode ser interessante sem uma leve pitada de conhecimento?
Com sucesso, minha mãe conseguiu fazer com que acreditássemos nesse ser: o professor. E olha que isso é uma causa quase perdida! (Um viva pra minha mãe!) Fez com que acreditássemos que eles eram importantes, que sabiam mais que nós e que, mais do que tudo, nos fariam um bem. Acho que isso resume tudo: um professor faz um bem.
Na verdade, os professores só tem duas alternativas segundo uma teoria super desfundamentada que alimento: o bem ou o mal. Eles tem a capacidade de mudar vidas, de verdade. Basta escolher para que lado... Simples assim.
Mas como meus pais são bem ligados, eles também conseguiram fazer com que desenvolvêssemos um senso crítico (o meu um pouco acima da média, mas tudo bem). Com o passar dos anos, conseguimos ver que aquele professor poderia ter falhado em alguma coisa ou que não era aquilo tudo mesmo. O quê meio místico da história, no entanto, sempre foi preservado. Pelo menos para mim. E isso me fez bem, acreditem.
Não posso assinar embaixo dos pensamentos vorazes do meu irmão. Segundo filho, rapidez, acho que vocês sabem como funciona, não? Resultado: sou bem mais na minha que ele. Pro meu bem. Ou mal, ainda não sei.
Assim, acho que o Marcelo descontruiu essa mítica muito antes do que eu (como tantas coisas que ele descontruiu antes que eu, enfim), mas algum dia ele também a sentiu por perto, certamente.
A questão é que, para mim, as professoras sempre foram AS professoras. Um pouco acima de mim. Detentoras do conhecimento. Poderiam ser legais, bacanas ou chatas. O relacionamento estava dentro do portão da escola e só. Era aquela coisa de criança mesmo: a minha professora.
Aí vem o tempo e desembaralha algumas coisas. Não tira o sentido, mas desembaralha.
E tchantchantchan!!!
Eu descobri que tinha crescido quando uma professora deixou de ser só professora. Ela era uma amiga!
Como assim?
Ela conhecia minha casa, meus pais e alguns segredos. E a adoração singela de criança foi cedendo espaço para o carinho normal de amizade. Uma amizade bacana, mas uma amizade.
De igual para igual. Nada de ser superior.
Quedou-se (por que raios o português não tem esse verbo lindo? vou implantar) o encanto.
Sei que fiquei muito tempo pensando nisso. Não conseguia equilibrar perdas, ganhos e estranhezas. Primeiro, pensava que era um problema não ter mais esses seres superiores na minha vida. Ou ter menos. Depois, que jamais seria a mesma. E a gente nunca mais é a mesma, mesmo. Hoje, amanhã, depois...
Aí, vieram outros tantos amigos diferentes. Mais velhos, mais novos, sem idade e eu descobri que não é tão complicado assim ser grande.
Hoje, a minha ideia é a seguinte. Vou fazer minha mãe escrever o Manual do Ser Superior e, assim, a tese não terá fim. Se eficiente eu for, conseguirei construir a mesma mítica para os meus filhos e a retroalimentação terá início. Oxalá!


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Desabafo - Do que elas já foram ou fizeram um dia


Acabo de outorgar (sim, as coisas não andam muito democráticas) uma nova definição aqui no Rúcula.
O Desabafo.
Quiçá (como eu gosto dessa palavra!), ele mude de nome em um momento criativo, mas, por ora, fica assim.
Quando eu achar que o escrito em questão tem um quê de indefinição e/ou uma ausência de qualidade, vira Desabafo.
Por favor, não pode ser qualquer coisa para chamar de Crônica. Não com um Rubem Braga do lado da cama.




Do que elas já foram ou fizeram um dia


Estava aconchegada para dormir, o cansaço semi-cerrava minhas pálpebras e meu cérebro calculava as horas de sono que eu teria pela frente. Eis que meu coração (que é algo fora do meu total controle) deu um pulo ao ouvir aquele descompensado “fazer amor de madrugada...”.
No terraço da frente do meu prédio, sombras de adolescentes gritavam, tocavam e cantavam com o desafino e o desatino de quem tem quinze, dezesseis anos. Pouco lhes importava se o relógio se aproximava da meia noite. Sorte deles.
- Robôcop gaaaay, robôcop gay. Aaaah, eu sei, eu sei.
Perdi o sono. Num avançar descontrolado, caí nos meus quinze anos. Falando assim parece que faz mil anos. Tá, eu sei que faz só seis. Mas entre os quinze e os vinte e um, há quase um abismo. Pelo menos para mim.
Não uso mais Gang. Não bebo coca-cola com vodka. Mal sei o que é vestibular. Não gosto mais do Breno. Livrei-me do Armandinho. Não leio Meg Cabot. Não moro mais com os meus pais. A minha atual cidade tem cinema (urrúl).Tenho salário (mísero, mas tenho). E não sou mais virgem. Pô, isso é quase um Himalaia de distância.
Tá, pijama do Snoopy e da Hello Kitty, eu tenho (e vários), confesso.
Parênteses: meu lado gay continua a milhão, não se preocupem. Última aquisição: uma chaleira de girafa. Sim, isso existe e é LINDA!
Fechou. Vooolta!
Ainda assim, eu me ouvia naquele terraço. A diferença era que as minhas noites de luau aconteciam na beira da praia, não em meio ao asfalto. Deve ser culpa do aquecimento global, penso. De resto, tudo igual.
Os guris tocavam, ou melhor, passavam as mãos num violão. E batucavam no que enxergavam pela frente. Fosse o que fosse. Uma cadeira de praia, um isopor ou uma lata de cerveja. Não importava. E na minha turma, pelo menos, eram sempre os guris que tocavam violão, por incompetência nossa, talvez. E sempre as gurias que decidiam as músicas. Por competência, quem sabe.
O motivo era se encarar. Seguindo uma das frases mais sábias da minha mãe (e olha que ela tem várias):
- Mariana, é preciso atritar-se.
Olho no olho. O início da transgressão. Do crescimento. Do descobrimento. Ou sabe-se lá o nome que se dá pra isso. Enfim. Um gole de alguma mistura etílica, um rolinho, um grito desafinado e a madrugada sendo invadida. Nada como urrar “meu erro” ou “maluco beleza” sem medo de ser feliz.
Entre cantorias, gritinhos e risadas, o silêncio. Algum vizinho deve ter reclamado, aposto. Alguém sempre reclama. No auge do nosso forró catarinense, certa vez, um ovo foi arremessado da sacada. Cinco minutos de desespero e pavor. Que faremos? E agora? Polícia? Síndico? Que nada. O da viola decide que a boa é desenterrar Ana Júlia (credo, Ana Júlia!). E já era.
Eu precisava acordar cedo no outro dia, mas a saudade do meu copo de caipirinha e dos meus cabelos imensos, me fizeram pular da cama. Levantei, abri o note (e tinha uma época que eu abria um caderno velho) e escrevi.
O motivo disso tudo? Um apelo.

Familiares, amigos (interioranos, fabicanos, alternativos, todos), colegas de trabalho (ui, idosa!), blogueiros ou leitores (se é que os tenho), prestem atenção:


Se um dia eu for a velha irritada que liga pra polícia, grita “psssssssiu” ou joga o ovo cru nos pequenos transgressores, por favor, me lembrem, repitam, gesticulem, gritem:

- Mariana, tu já foste bem gritona e barulhenta também. ****

Isso é parte da minha teoria de que o mundo poderia estar muito melhor (e menos ranzinza!) se as pessoas lembrassem e/ou estivessem cientes do que elas já foram ou fizeram um dia.




**** Nos confins do meu finado fotolog, encontrei até uma foto para comprovar ou ilustrar o texto, como queiram.