sábado, 9 de janeiro de 2010

Crônica - Espaço para o vazio

Espaço para o vazio

Se tem uma coisa que aprendi é que ganhamos muito mais quando pouco esperamos. Ou, podemos ganhar muito, o que já é bom. Isso não me ajudou a colocar pouca expectativa nas coisas que desejo no fundo da alma – maldita mania! - mas já reconheço como uma verdade. Também não significa que não devemos enfrentar a peregrinação até aquilo que faz o estômogo revirar. A questão é a seguinte: que tal dar uma chance ao vazio?
Quase sempre que saí correndo de casa, decidi na última hora, ganhei um ingresso, fui acompanhar um amigo ou simplesmente “cumprir a tarefa”, me surpreendi. E essas surpresas são daquelas que tocam tão fundo. Corações sagitarianos como o meu são suspeitos, adoram.
Quando não se tem expectativa nenhuma, se descarta aqueles 50% de chance de algo dar errado ou desagradar. Se estende a mão para o vazio, para o incerto, para o duvidoso. O desconhecido ganha uma chance. Renegado que é, muitas vezes, agarra-a com toda a força.
É aí que ganhamos. O estranho que conversamos por educação revela-se um grande amigo, a cidade sem graça vira paixão, o livro com capa feia não sai do lado da cama e a música estranha repete nos nossos ouvidos sem pedir licença.
Foi assim com filmes, shows e peças de teatro sem grandes logomarcas. Saí desconcertada. E eu adoro ser desarranjada pela arte. O que teria acontecido se eu não tivesse visto isso? Que Mariana eu seria se não tivesse entrado naquele trem rumo a Madri? Ou naquele teatro, naquela aula, naquele livro, naquele corredor?
Melhor não pensar em quem eu seria ou deixaria de ser e continuar dando voz, palco e tempo ao desconhecido. Em meio a um tic-tac de relógio que mais parece o das bombas dos desenhos da Warner, nada como um pouco de ar(te).

Uma pequena listinha (mania feminina ou coisa de mãe?) do que andou me desconcertando no final de 2009.


- Filme:
“Apenas o fim” – Direção e Roteiro: Matheus Souza. Retrata uma geração através de seus ícones. Brasileiro, universitário, meigo, super roteiro e baixo orçamento. Quer mais o quê?

"E se eu tivesse terminado com você no dia seguinte da nossa primeira vez? Você nem saberia o que é uma batata frita com refrigerante no café da manhã."

Dá uma olhada no trailer: http://www.youtube.com/watch?v=52fgo07LDbk&feature=related


- Livro:
“No teu deserto” do português Miguel Sousa Tavares. Bem escrito, grande história e grande sotaque. Daqueles pra ler devagar, economizando. Apaixonante.

"...só houvera duas escolhas possíveis: ou nos tornávamos íntimos, cúmplices e um apoio recíproco, ou o deserto torna-se-ia um inferno, todos os dias."


- Música:
“Feito pra acabar” – José Miguel Wisnik, Marcelo Jeneci e Paulo Neves. Um obra única, encantadora e instigante. Só poderia mesmo ser resultado da união de um grande poeta com dois super músicos de gerações diferentes.

"A gente é feito pra acabar. A gente é feito pra dizer que sim. A gente é feito pra caber num mar"

Aqui o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=YogRHBKZY_8&feature=player_embedded


sábado, 2 de janeiro de 2010

Crônica - Bonjour, noooossa!


Bonjour, noooossa!


Paris tem que ser a última cidade, sentenciou meu pai. E não me inventa de querer ficar menos de cinco dias. Tá bom, pai. Sete dias então. Vou marcar a passagem, avisou.
Enquanto eu desenrolava com ele esse diálogo pelo skype, a luzinha do msn piscava, um recado entrava no orkut, um amigo estava online no facebook e eu, ainda, encaminhava um e-mail. De tempos em tempos, olhava aquele texto parado no word, acrescentava uma palavra e retirava uma vírgula. A conexão Porto Alegre-Cruz Alta fluía com calma e uma certa destreza. Nada de tirar o fôlego. Nada que me fizesse refletir sobre aquela certeza carregada na voz dele quando indicava o norte do meu passeio. Entre um aceno e outro para minha mãe na webcam, a tecnologia do século para filhos distantes de mães coruja, falhei. O ciclo das mil tarefas arrastou meu senso crítico para o outro lado da mesa.
Aquele som acolhedor que conheço desde pequena ressoou na minha cabeça só uns dois meses depois. Eu tinha medo de cair da moto e meu novo amigo voava. Agarrada nas suas costas, enxerguei meu cotovelo ralado naquele virar de quadra. Imaginei-me no chão. Vislumbrei a cena do acidente em um plano-sequência. Para onde me levaria aquele amigo do amigo que eu havia conhecido nos últimos cinco minutos? Meu falado seguro saúde romperia a lógica garantida pelo meu pseudo-cunhado: isso a gente paga pra não usar, Mari. Com sorte, só quebraria um osso. O primeiro osso quebrado da vida. Sendo da cintura pra cima, beleza. A gente precisa mesmo é das pernas pra fazer turismo. Será? Fechei os olhos. Ouvi minha vó dizendo tô rezando. Então tá.
- Mar-ri-anne – disse o francês apaixonado pelo Brasil.
Arthur não precisou dizer mais nada. O sotaque charmoso e a versão francesa do meu nome arrancaram-me do acidente que não aconteceu, do provável socorro e dos problemas diplomáticos que eu acabara de criar com essa cabecinha fantasiosa.
Não, aquilo não parecia pertencer a esse mundo. Era bonito demais. Grande demais. Encantador demais. Aquelas tardes de inverno que eu passava unindo peças de lego em frente da lareira voltaram à minha mente sem pedir licença. Sabe quando a gente escolhe a melhor peça do lego para encaixar no centro da mini-cidade? Ou quando a gente compra um móvel fantástico para decorar uma casa no The Sims com a facilidade de um clique? Tá, vou pensar em outro exemplo para quem não cresceu na década de noventa. Aquela super peça era, ao mesmo tempo, estonteante e simples.
Não falei nada. Senti o vento que batia nos meus cabelos e ergui o acrílico do capacete. Aquilo era a torre. Aquilo parecia um brinquedo gigante. Aquilo era Paris! E aquele ponto rosa embriagado de emoção era eu. Um noooossa ecoou com força dos meus pulmões. Foi involuntário.
Com a tranquilidade de um porto-alegrense que atravessa o Arroio Dilúvio todos os dias, Arthur encontrou o Sena e o Louvre. Arranquei-lhe uma gargalhada com outro noooossa. Passamos voando e eu, sem medo, por dentro do mais famoso dos museus. Como que ninguém tinha me dito que passavam carros, ônibus e motos frenéticas por um dos pátios do Louvre? Fotografá-lo inteiro para colocar no álbum? Só em foto aérea!
Foi nesse segundo noooossa que a voz acolhedora e carregada de certeza do meu pai voltou com toda a força à minha cabeça distraída.
- Não me inventa de querer ficar menos de cinco dias.