sábado, 24 de abril de 2010

ZH - Agora, do sexto andar


Dei uma escapulida do Nosso Mundo Sustentável e invadi um terreno muito bacana lá da ZH.
Esse texto foi publicado na edição 53 do ZH Petrópolis, dia 8 de abril.
A coluna chama Eu e meu bairro e qualquer um pode escrever.
É só enviar para petropolis@zerohora.com.br
Escreve, as gurias vão adorar.



Agora, do sexto andar



Não escolhi meu apartamento pelo bairro. O meu apartamento que me escolheu, na verdade. Aterrissei em Porto Alegre como a maioria dos jovens interioranos. Pintada de bixo pela universidade federal, eu falava leitE com convicção. Não acreditava que Porto Alegre seria minha de verdade algum dia, muito menos que a região escolhida para morar faria alguma diferença.

Fui parar na Dona Eugênia porque era perto da Fabico – eu era bixo de Jornalismo na UFRGS – e um amigo o tinha liberado bem na época em que eu devia abandonar Cruz Alta. Entre tantas informações desencontradas, uma era unanimidade entre as amigas da minha mãe:
– Lá é perto do Zaffari bom.
E eu sempre questionava: então os outros são ruins?

Pensava que um hipermercado não seria tão importante na minha vida, muito menos o fato de ter um restaurante dentro dele. Foi só minha mãe voltar para o Interior, a geladeira e as prateleiras esvaziarem para eu descobrir os deleites de ter um Zaffari a duas quadras de casa.

Também descobri que era importante mesmo estar perto da Protásio Alves e da Ipiranga, ao mesmo tempo. Caminhando duas quadras, eu podia pegar um ônibus para qualquer canto da cidade. E, na maioria das vezes, apenas um ônibus era suficiente para alcançar meu destino.

De táxi, nada é muito longe lá de casa também. Conto nos dedos as vezes que gastei mais de R$ 10 ou R$ 12 em uma corrida. Cidade Baixa, Moinhos ou Iguatemi? R$ 10.

Tá, confesso, eu não vou para a Zona Sul muitas vezes. Nem de táxi nem de ônibus. Bom mesmo é ir a pé para a faculdade e, melhor ainda, poder voltar para casa rapidinho quando o professor não aparece.

A Santa Cecília que me escolheu insiste em me acordar com seu sino no domingo de manhã, mas eu perdoo. Perdoo porque adoro o risoto de funghi e o chocolate quente do restaurante do Zaffari e vivo muito mais feliz fazendo hidroginástica na Mergulhinho. Os queridos da Clem Idiomas e da Papelaria do Estudante sempre resolvem meus problemas acadêmicos, e, quando quero fugir do Zaffari, só preciso caminhar mais uma quadra e encontrar o Al Nur. Delícia.

Quando digo que o bairro me escolheu, não estou brincando. Acabo de me mudar. Agora moro no outro lado da Rua Dona Eugênia. Aluguei uma janela, não um apartamento, e estou radiante.

Nunca pensei que enxergar a minha Porto Alegre do sexto andar me faria tão bem.


Para ver direto do jornal, clica aqui.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desabafo - Trancoso


No ir e vir das minhas certezas.




Trancoso




Quando a mão dela tocou na maçaneta da porta, eu já sabia de que tipo se tratava. Com uma calça de marca, um tomara-que-caia preto e mechas californianas nos longos cabelos lisos, não poderia ser outra. O andar arrastado, a bolsa Vitor Hugo, o sotaque xarope e as unhas quase laranja. De perto, uma camada incrível de pó tentava esconder o que um dia foram erupções de hormônios adolescentes. Com os cílios levantados de forma organizada e os braços de quem passara três meses na praia, ela sentou-se.
- Tem o Trancoso, né?
- Oi Luiza.
- Eu preciso muito desse esmalte – disse ignorando qualquer cumprimento da manicure.
- O Trancoso acabou.
O grito que se seguiu fez com que a Kati errasse a pincelada roxa no meu dedão direito. Depois do desespero, ela virou o rosto para a dona do salão. Queria saber por que não tinha mais o Trancoso. Como assim? O que teria acontecido com o pequeno vidrinho laranja que ela usara na semana anterior. E, o mais importante, o que ela deveria fazer agora diante dessa tragédia. Recém acordada que eu estava, só entendi a séria questão quando a moçoila apontou uma solução.
- Vou ter que fazer o pé também, então. Tem horário?
Desloquei meus olhos para o pé 36 numa rasteira que não posso criticar -era roxa com tachinhas, linda – e entendi tudo. O tal laranja Trancoso (da coleção Praias do Brasil, é claro) reluzia nos dedinhos próximos à cadeira. Sem o laranja sociality para as mãos, os pés não poderiam ficar da cor que estavam. Mesmo impecavelmente feitos, ela os faria de novo. Tudo culpa do Trancoso. Ou melhor, da falta dele. Afinal, não usar a mesma cor de esmalte nas mãos e nos pés é um pecado mortal. Não concordam? (Vou chegar em casa e questionar minha mãe por não ter me repassado um conhecimento tão relevante quanto esse em vinte e um anos de existência: use sempre o mesmo esmalte em mãos e pés. Tá, enfim.)
Decidi não olhar os preparativos da função, apenas ouvir. O sotaque meloso já me cansava os ouvidos e desse eu não podia escapar. À contragosto da cliente, outra manicure aproximou-se e iniciou a retirada do Trancoso dos pés. Maria, a preferida de Luiza no salão, estava de férias e isso já se apresentara como outro problema grave. Um, dois, três e foi.
Quero o Atrevida, então. Tá no fim, vai ficar grosso. Ai, não acredito. Usa o Glamour Pink. Não gosto. Que tal o 40 graus? Não gosto. E o Copacabana? Horrível. Já sei, passa o Praia do Rosa. Tá, vou experimentar essa tal praia.
A-I-E, agora quem ficou tonta fui eu. Mas que guria pentelha, credo!

Eu tinha uns quatorze anos quando descobri o advento das manicures. Uma amiga indicou uma que além de ir em casa e ser mestre na arte, era uma santa criatura. A Ana entrou na minha vida assim. Era tão barato fazer francesinha, flores e viajar nas misturas que eu pagava com a minha mesada. Desde o início, porém, minha mãe assumiu um ar reticente quanto a isso. Nunca disse: não faz. Mas também nunca disse: que legal, faz mesmo. Ela me instruía a deixar tirar pouca cutícula, preferia os esmaltes claros e queria que eu soubesse dar um jeito sozinha nas unhas. Ao menos, de vez em quando. Morria de medo que eu dependesse de uma manicure. Justo ela que ama a unha curta e clarinha, só pintou de vermelho uma vez na vida e se preocupa com a ponta dos dedos quando tem casamento, via a filha crescer e descobrir os vermelhos em unhas longas. Herança da minha vó paterna, claro. Pois a mãe me convenceu a usar um tom claro na minha festa de quinze anos (grande feito, o vestido já era pink!) e não usar vermelho nos pés. Nunca passei e nem tenho vontade. Também acabou fazendo com que eu me defenda sem uma manicure-amiga. Assim, minhas unhas ficaram lindinhas quando eu estava na europa e na lagoa mirim. Mas, a primeira coisa que fiz quando cheguei foi ir até a manicure, óbvio.
Hoje, ela bem sabe o quanto eu sou mais feliz quando estou com as unhas feitinhas. E que isso não me torna uma alienada ou uma desaforada. Ir na manicure é uma terapia. Um momento só meu. Como ir no psicanalista, no jogo de futebol ou na natação para alguns. Quando não consigo, fico mesmo mais sem paciência com o mundo. As coisas já andam estranhas nesse planeta, ainda é preciso encará-lo com os dedos acabados? Demais pra mim.

Pois quando a Bete tirou um bife - bife não, bifinho – o que não é agradável, mas acontece nos mais renomados salões, a dita Luiza soltou a pior do dia.
- Ai, mulher. Que desgraçada que tu é – Sem nenhum tom de brincadeira.
Aproveitei que minhas unhas já estavam secas, me despedi das gurias, desejei bom final de semana e me mandei. Que vergonha! Como aquele ser poderia ser da mesma raça e do mesmo gênero que eu. Ainda morava na mesma cidade, frequentava o mesmo salão e tinha uma calça da colcci. E eu ainda gostara daquela rasteira! Saí pensando naquilo e quase dei com o rosto em um senhor e seu carrinho do Zaffari.
A tal Luiza explica um pouco da reticência da minha mãe com unhas, cutículas, esmaltes e manicures. Tenho certeza. Mas, nas palavras da dona Regina mesmo: aprenda com ela a não ser igual, Mari.
A pena é que gostava do nome Luiza e achava bonito o tal Trancoso. De verdade.