domingo, 8 de maio de 2011

Economia da UFRGS em festa

Estiquei o pé esquerdo para fora do carro e o brilho alcançou meu olho. Era a melissa dourada que se arrastava naquele calçamento irregular. Segui conversando com a cabeça no brilho. Um símbolo do capitalismo selvagem entre prédios carregados de sentido. Do outro lado da faixa amarela, Chico Buarque me aguardava. Plácido.

domingo, 23 de janeiro de 2011

De verdade, nunca te quis

De verdade, nunca te quis. Mesmo naquelas vezes em que fazia graça e te olhava com o canto do olho, não te queria. Eu podia desejar em voz alta estar perto de ti. No fundo, queria mesmo era estar a quilômetros de distância. Pensava que era melhor estar junto, mas não queria.

A ideia não era sentir teu calor no meu corpo, muito menos a tua presença. De verdade, nunca te quis.

Hoje, penso que tive medo. Medo de ficar tão perto a ponto de não conseguir ficar longe. De não poder viver distante de ti. Um certo receio de entristecer ao teu lado também.

Para mim, ficar contigo era como ficar sozinha. De verdade, nunca te quis.

Embora sorrisse por fora, chorava só de imaginar a possibilidade de me ver grudada contigo. Estar junto era estar abandonada, abraçada no teu calor.

O dia chegou. Hoje estou contigo e não sou infeliz nem solitária. Tenho até picos de alegria. Gosto do vazio.

Mesmo assim, queria te dizer:

- Verão porto-alegrense, de verdade, nunca te quis.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Ou não

Ou não

Roupas imigrantes, guarda roupa flutuante. Na década de noventa essa assim, roupa de inverno era roupa de inverno. Roupa de verão era roupa de verão e era preciso fazer conexão. Ou baldeação, como diz minha vó.

Terminava o verão e lá se iam as saias, vestidos e blusinhas lavados especialmente para o Dia Mundial da Troca de Prateleiras para cima da cama. Depois os casacos, fusôs (aquelas calças de lã justérrimas que nos aproximavam das minhocas, lembra?), blusões, toucas e luvas coloridas para a máquina de lavar. Eu ficava sentada impaciente na cama ou assistia e zilhonésima reprise do Castelo enquanto a mamis dava indicações, empolgadíssima, para a empregada da vez.

- Tira todas as roupas de inverno e põe para lavar.

- Passa um pano nessas prateleiras.

- Agora coloca as roupas de verão lá no alto.

- Depois tu traz as de inverno e coloca aqui, bem na frente, tá?

- Tá.

Resumo da ópera. Quando era inverno se usava roupas para o frio que ficavam nas prateleiras mais próximas da altura do dono enquanto as peças fresquinhas descansavam no alto do armário. Chegava o calor e invertia-se a função. Na mudança de estação o primeiro passo era “baixar” as roupas.

***

Meu armário deixou de ser flutuante há tempos. Primeiro porque não tenho empregada nem paciência. Mas, mais importante, porque agora as estações é que são flutuantes. Canso de sair com uma pashmina (aquelas mantas compridas e fininhas que vendem a preço de banana no mercado das pulgas de Madrid) e um óculos escuro na mesma bolsa de verão. Nos momentos “queria ter nascido na España” ainda me atrevo a carregar um leque junto. Só pra fazer charme e ficar com dor no braço, confesso. No inverno preciso colocar uma blusinha apresentável por baixo de toda a roupa porque o ar-condicionado esquenta tudo. No calorão, gela até eu precisar duma pashmina ou dum casaco.

Esses tempos, quando escrevia uma materinha de clima em que precisava explicar uma mudança brusca e atípica na temperatura escrevi algo como: será preciso baixar as roupas do armário. Ai, como queria que aquilo fosse publicado no jornal! Aposto que muitas pessoas se identificariam com o processo de baldeação. Ou não. Ninguém mais baixa nada de armário nenhum nem sente saudades das roupas. Lembro de morrer de saudade duma calça jeans na praia ou de uma sandália rasteira no meio de agosto. Hoje as roupas ficam misturadas o ano todo, flutuando naquela muvuca em que sempre se perde o que se precisa. Talvez, meio como a gente nesse mundo estranho. Flutuando numa muvuca, vira e mexe perdemos o que tanto buscamos.

Mariana sem lei

Isso aqui já foi um lugar de sonho, de idealismo e de trabalho. Espécie de jornalismo sem lei, o Rúcula agora é a Mariana sem lei. Sem regras ou exigências, só escrevo por aqui o que bem entendo. E é assim que fico bem.

Achei pertinente avisar.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um buraco

Não quero escrever uma crônica mulherzinha. Nem um parágrafo de mulher incompreendida. Muito menos um desafabo de blog cor de rosa com cheiro de morango. Não é nada disso.Não vou culpar minha vó, que nem queimou sutiã, por meus problemas contemporâneos, se é que são problemas (seriam verdades?).Também não vou dizer onde quero chegar ou de onde saí. A questão não é o que temos e o que queremos ter. Ou o que deixamos de querer. O contrassenso* cava o buraco.


...Continua. Ou não.


*De acordo com a ABL, estranho assim, com dois esses.


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Obrigada por ter me abandonado nesse dia, rinite

Começar um texto dizendo que eu estava atrasada é um retrocesso, uma redundância, pra não dizer coisa pior. Eu vivo atrasada, pra minha sorte ou azar. Mas o fato é que eu estava mesmo saindo atrasada do banho para um compromisso que já não lembro qual é.

Arranquei a toalha rosa do box, me sequei voando e joguei a mão no desodorante que fez um psiiiii desanimado.

Vazio.

Sim, a Lei de Murphy é algo super presente na minha vida.

Pois lá fui eu tentar encontrar um desodorante novo na minha costumeira bagunça, vulgo balcão da pia. No meio duma sacola amarela de freeshop, estava ele. Arranquei-o feliz do submundo da desordem e puxei a tampa.

O tsiiiiiiiiill saiu com força da lata branca e junto dele veio o bairro gótico e um prato de tapas. Callamares bem sequinhas, por favor. Uma taça de sangría e um monte de amigos heteronacionais. Senti o sono que movia minhas pálpebras na melhor aula de espanhol sob o sorriso de Sarah, a professora. E então eu jogava volei em Barceloneta e eram mais de dez horas da noite. Veio o zunido do metrô e meu quarto pequeno com travesseiro alto. A lomba para chegar até em casa, o calor e uma sensação inédita. Barcelona era inédita para mim e eu pra ela. E nós nos amávamos assim. Todos os dias. Até o dia que revivi tudo em dois minutos dentro do meu banheiro porto-alegrense.

Saborear o aroma do desodorante que eu usava na Catalunya só perde para o borbulhar do arroz com banha da minha vó.

domingo, 17 de outubro de 2010

Devaneio - Gisele

Em um boteco entranhado no bairro Gótico, uma brasileira e americana dividem a mesma mesa.

Enquanto eu admirava meu bocadillo salivando, Elisabeth me encarou séria.

-Mariana?

-Que?

Chegaram as patatas bravas. Largo o bocadillo e espeto uma como um apaixonado que encontra a amada.

- A Gisele tá mesmo grávida?

Adoro esse sabor quente e picante escorregando pela minha garganta.

- Que tu disse mesmo Elisabeth? – já mirando outra.

- Se a Gisele tá grávida.

-Gisele? - franzo o cenho.

Meu cérebro deu uma, duas, três voltas. Devo estar anêmica por culpa da ausência de proteína bovina, só pode.

- Bündchen, Mar-i-ana. Ela tá grávida?

Socorro, senhor. Me proteja dessas cabeças americanas.

- Ih, Elisabeth. Ela tá mais perto de ti que de mim, hein, pode ter certeza. Não faço a mínima ideia.

Aos bocadillos, por favor.