segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Desabafo - Do que elas já foram ou fizeram um dia


Acabo de outorgar (sim, as coisas não andam muito democráticas) uma nova definição aqui no Rúcula.
O Desabafo.
Quiçá (como eu gosto dessa palavra!), ele mude de nome em um momento criativo, mas, por ora, fica assim.
Quando eu achar que o escrito em questão tem um quê de indefinição e/ou uma ausência de qualidade, vira Desabafo.
Por favor, não pode ser qualquer coisa para chamar de Crônica. Não com um Rubem Braga do lado da cama.




Do que elas já foram ou fizeram um dia


Estava aconchegada para dormir, o cansaço semi-cerrava minhas pálpebras e meu cérebro calculava as horas de sono que eu teria pela frente. Eis que meu coração (que é algo fora do meu total controle) deu um pulo ao ouvir aquele descompensado “fazer amor de madrugada...”.
No terraço da frente do meu prédio, sombras de adolescentes gritavam, tocavam e cantavam com o desafino e o desatino de quem tem quinze, dezesseis anos. Pouco lhes importava se o relógio se aproximava da meia noite. Sorte deles.
- Robôcop gaaaay, robôcop gay. Aaaah, eu sei, eu sei.
Perdi o sono. Num avançar descontrolado, caí nos meus quinze anos. Falando assim parece que faz mil anos. Tá, eu sei que faz só seis. Mas entre os quinze e os vinte e um, há quase um abismo. Pelo menos para mim.
Não uso mais Gang. Não bebo coca-cola com vodka. Mal sei o que é vestibular. Não gosto mais do Breno. Livrei-me do Armandinho. Não leio Meg Cabot. Não moro mais com os meus pais. A minha atual cidade tem cinema (urrúl).Tenho salário (mísero, mas tenho). E não sou mais virgem. Pô, isso é quase um Himalaia de distância.
Tá, pijama do Snoopy e da Hello Kitty, eu tenho (e vários), confesso.
Parênteses: meu lado gay continua a milhão, não se preocupem. Última aquisição: uma chaleira de girafa. Sim, isso existe e é LINDA!
Fechou. Vooolta!
Ainda assim, eu me ouvia naquele terraço. A diferença era que as minhas noites de luau aconteciam na beira da praia, não em meio ao asfalto. Deve ser culpa do aquecimento global, penso. De resto, tudo igual.
Os guris tocavam, ou melhor, passavam as mãos num violão. E batucavam no que enxergavam pela frente. Fosse o que fosse. Uma cadeira de praia, um isopor ou uma lata de cerveja. Não importava. E na minha turma, pelo menos, eram sempre os guris que tocavam violão, por incompetência nossa, talvez. E sempre as gurias que decidiam as músicas. Por competência, quem sabe.
O motivo era se encarar. Seguindo uma das frases mais sábias da minha mãe (e olha que ela tem várias):
- Mariana, é preciso atritar-se.
Olho no olho. O início da transgressão. Do crescimento. Do descobrimento. Ou sabe-se lá o nome que se dá pra isso. Enfim. Um gole de alguma mistura etílica, um rolinho, um grito desafinado e a madrugada sendo invadida. Nada como urrar “meu erro” ou “maluco beleza” sem medo de ser feliz.
Entre cantorias, gritinhos e risadas, o silêncio. Algum vizinho deve ter reclamado, aposto. Alguém sempre reclama. No auge do nosso forró catarinense, certa vez, um ovo foi arremessado da sacada. Cinco minutos de desespero e pavor. Que faremos? E agora? Polícia? Síndico? Que nada. O da viola decide que a boa é desenterrar Ana Júlia (credo, Ana Júlia!). E já era.
Eu precisava acordar cedo no outro dia, mas a saudade do meu copo de caipirinha e dos meus cabelos imensos, me fizeram pular da cama. Levantei, abri o note (e tinha uma época que eu abria um caderno velho) e escrevi.
O motivo disso tudo? Um apelo.

Familiares, amigos (interioranos, fabicanos, alternativos, todos), colegas de trabalho (ui, idosa!), blogueiros ou leitores (se é que os tenho), prestem atenção:


Se um dia eu for a velha irritada que liga pra polícia, grita “psssssssiu” ou joga o ovo cru nos pequenos transgressores, por favor, me lembrem, repitam, gesticulem, gritem:

- Mariana, tu já foste bem gritona e barulhenta também. ****

Isso é parte da minha teoria de que o mundo poderia estar muito melhor (e menos ranzinza!) se as pessoas lembrassem e/ou estivessem cientes do que elas já foram ou fizeram um dia.




**** Nos confins do meu finado fotolog, encontrei até uma foto para comprovar ou ilustrar o texto, como queiram.

3 comentários:

Diego Haupenthal disse...

Mari, esse abismo entre nossos 21 anos e os 15 pode ser, de fato, profundo como um abismo, mas é um abismo estreito, do tamanho de um salto ou de um empurrão. Basta um pouco de coragem pra voltar a eles.

Laura Marzullo disse...

Guria,esse texto ficou maravilhoso, digno de uma jornalista!Entre os textos que já li aqui no Rúcula,esse me pareceu o melhor. Nossa,ele é divertido,é pensante,produz reflexão,amei,amei! ^^
Bjos! :D

Mariana Müller disse...

Eu sei que nem sempre a gente tem paciência pra comentar, mas eu adoro ler o que vocês escrevem aqui.
Só que agora não sei quem é o Diego!
:/