Bonjour, noooossa!
Paris tem que ser a última cidade, sentenciou meu pai. E não me inventa de querer ficar menos de cinco dias. Tá bom, pai. Sete dias então. Vou marcar a passagem, avisou.
Enquanto eu desenrolava com ele esse diálogo pelo skype, a luzinha do msn piscava, um recado entrava no orkut, um amigo estava online no facebook e eu, ainda, encaminhava um e-mail. De tempos em tempos, olhava aquele texto parado no word, acrescentava uma palavra e retirava uma vírgula. A conexão Porto Alegre-Cruz Alta fluía com calma e uma certa destreza. Nada de tirar o fôlego. Nada que me fizesse refletir sobre aquela certeza carregada na voz dele quando indicava o norte do meu passeio. Entre um aceno e outro para minha mãe na webcam, a tecnologia do século para filhos distantes de mães coruja, falhei. O ciclo das mil tarefas arrastou meu senso crítico para o outro lado da mesa.
Aquele som acolhedor que conheço desde pequena ressoou na minha cabeça só uns dois meses depois. Eu tinha medo de cair da moto e meu novo amigo voava. Agarrada nas suas costas, enxerguei meu cotovelo ralado naquele virar de quadra. Imaginei-me no chão. Vislumbrei a cena do acidente em um plano-sequência. Para onde me levaria aquele amigo do amigo que eu havia conhecido nos últimos cinco minutos? Meu falado seguro saúde romperia a lógica garantida pelo meu pseudo-cunhado: isso a gente paga pra não usar, Mari. Com sorte, só quebraria um osso. O primeiro osso quebrado da vida. Sendo da cintura pra cima, beleza. A gente precisa mesmo é das pernas pra fazer turismo. Será? Fechei os olhos. Ouvi minha vó dizendo tô rezando. Então tá.
- Mar-ri-anne – disse o francês apaixonado pelo Brasil.
Arthur não precisou dizer mais nada. O sotaque charmoso e a versão francesa do meu nome arrancaram-me do acidente que não aconteceu, do provável socorro e dos problemas diplomáticos que eu acabara de criar com essa cabecinha fantasiosa.
Não, aquilo não parecia pertencer a esse mundo. Era bonito demais. Grande demais. Encantador demais. Aquelas tardes de inverno que eu passava unindo peças de lego em frente da lareira voltaram à minha mente sem pedir licença. Sabe quando a gente escolhe a melhor peça do lego para encaixar no centro da mini-cidade? Ou quando a gente compra um móvel fantástico para decorar uma casa no The Sims com a facilidade de um clique? Tá, vou pensar em outro exemplo para quem não cresceu na década de noventa. Aquela super peça era, ao mesmo tempo, estonteante e simples.
Não falei nada. Senti o vento que batia nos meus cabelos e ergui o acrílico do capacete. Aquilo era a torre. Aquilo parecia um brinquedo gigante. Aquilo era Paris! E aquele ponto rosa embriagado de emoção era eu. Um noooossa ecoou com força dos meus pulmões. Foi involuntário.
Com a tranquilidade de um porto-alegrense que atravessa o Arroio Dilúvio todos os dias, Arthur encontrou o Sena e o Louvre. Arranquei-lhe uma gargalhada com outro noooossa. Passamos voando e eu, sem medo, por dentro do mais famoso dos museus. Como que ninguém tinha me dito que passavam carros, ônibus e motos frenéticas por um dos pátios do Louvre? Fotografá-lo inteiro para colocar no álbum? Só em foto aérea!
Foi nesse segundo noooossa que a voz acolhedora e carregada de certeza do meu pai voltou com toda a força à minha cabeça distraída.
- Não me inventa de querer ficar menos de cinco dias.
Metáforas da vida
Há 10 anos
4 comentários:
Noooooooossa Mari das galochas!!!
Amei o"rúcula" e mais ainda os bons e sábios conselhos do Alfredo. Vou virar leitora desse universo tão a tua cara.
Aproveito pra mandar um super-baita abraço pra essa família linda. E o desejo de que em 2010 a gente tenha muito tempo juntos. ou seja, que tenhamos momentos felizes como todos que passamos juntos até hoje!
Força na peruca!!
Gabi e cia.
Sabe o que tenho a dizer depois de ler o que acabei de ler? Nooooossa!
Se não fosse tão bem nomeado, teu blog poderia se chamar "arrepio". É! Arrepio! Pelos menos é o que acontece comigo cada vez que leio um texto teu.
E pra finalizar, confesso: estou arrepiadamente louca pra poder seguir a dica que rebeste do Tio Alfredo e largar uns nooossas por lá também...
Parabéns, Maricota!
E por favor, não para de atualizar tuas rúculas por aqui. Adoro me arrepiar ;)
Mari, cada dia tenho mais certeza que tu nasceu pras palavras e elas pra ti. Que texto lindo!
(j'ai revécu Paris pour quelques secondes...merci)
Um texto à altura da imagem!Crônica surpreendente,conquista o leitor!
Adoro teus textos e vou procurar passar sempre por aqui.Sucesso! :D
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