terça-feira, 14 de abril de 2009

Livros - Escale a Cordilheira

“Como qualquer mulher, Anita tinha medo de ser julgada como louca.”

Solta e sem referências, assim como está aí em cima, jamais afirmaria que o autor dessa frase é o ex-fabicano, gaúcho por vivência (ou opção?), gremista e, por vezes, barbudo, Daniel Galera.
A frase tem um certo ar de lugar comum, som repetido, palavra já dita. No entanto, é crua, fria e direta. Tenho minhas dúvidas se, nós, mulheres, admitiríamos esse medo com tanta franqueza. Analisando bem, ela é toda testosterona.
Anita é a bem construída personagem principal do novo romance de Galera. “Cordilheira” foi lançado em outubro de 2008 e é o primeiro do projeto Amores Expressos. A série que levou escritores para lugares distintos do globo para que escrevessem uma história de amor e arrancou críticas de todas as espécies aterrissou Galera em Buenos Aires. É na capital porteña que a jovem escritora paulistana, Anita, vive sua estória.
O romance não é exatamente uma história de amor, como pretendia inicialmente o Amores Expressos. Ele caminha entre as certezas e as incertezas de Anita. Entre o que o mundo espera dela – que continue a escrever - e o que ela deseja: um filho. Na verdade, a juventude e suas incertezas é um tema recorrente na obra de Galera. “Até o dia em que o cão morreu”, adaptado para o cinema por Beto Brant, e o excelente “Mãos de Cavalo” também levantam as expectativas, ou a falta delas, os medos e as certezas que atingem as cabeças de quem está entre os vinte ou trinta anos. O grande mérito, acredito, não é apenas levantar essas questões. É fazê-las com verdade. Com uma narrativa bem estruturada e sem “papas na língua”- por vezes tenho a sensação de ouvir um amigo da faculdade falando- os personagens efetivamente parecem reais. Há verossimilhança no texto de Galera. Também há loucura, claro, e não é pouca. Contudo, a loucura é apenas uma pimenta na dose certa, engrandece o prato. A sutileza do capítulo inicial, por exemplo, estrutura a vida da personagem de uma forma única.
Em comparação com as obras anteriores, o romance detona o esforço do autor em dar voz a uma personagem feminina. Os homens sempre foram, no mínimo, maioria em seus textos. Agora há Anita e o seu útero (como ela fala nele!) e fala na terceira pessoa do singular, outra novidade. Nada do conhecido “tu vai”, retrato fiel do cotidiano gaúcho e, de certa forma, uma marca em seus outros livros.
Em meio ao “vai-não-vai” da jovem, o autor destaca um tema interessante para o debate: a distância entre ficção e realidade. A relação dos autores com suas obras é discutida à medida que a personagem se envolve com um grupo, digamos, excêntrico, de autores argentinos. A escalada até o topo do Ushuaia com Anita e Galera é instigante e prazerosa. Flui. Fica um trecho.

“Atribuir um propósito superior a um lance qualquer na vida é construir uma ficção muito pessoal. Dar sentido ao mundo é um ato criativo. Uma visão de mundo é uma narrativa.”

Por Mariana Müller

2 comentários:

Ricardo Rodrigues disse...

Que legal Mari, tá mandando bem no blog!! E adorei a logo (é o meu lado publicitário, hehehehe).

Já está nos meus favoritos.

Abração! (Ricardo, da oficina da Rádio Guaíba)

Andressa Xavier disse...

Oi, Mariii!!

Legal teu blog! Vou virar tua leitora (tbm estou te add aos favoritos)!

Beijo