quinta-feira, 25 de março de 2010

Sangue Novo - Despertar

Esse espaço não é egoísta. O Rúcula foi criado para abrigar deleites. Fotos, imagens, textos, delírios. Regados a um bom azeite de oliva, como pede a viciada aqui.
Então, hoje o espaço é do meu irmão, o Marcelo.
Dorminhoca que sou, adorei o delírio ou desabafo dele sobre o despertar.
É o início do Sangue Novo, que está aberto para outros insanos de plantão.





Acordar preguiçosamente. Primeiro ao ouvir o som das cigarras e dos grilos e dos sapos. Como os últimos vivem na cidade? Em que arbusto úmido se escondem? Não sei, mas eles cantam e me despertam. Expreguiçar-se, expreguiçar-se com vontade e ouvir o som que vem de dentro, dos ossos, dos pés, mãos e dedos, das juntas cedendo e estralando. E a automática revirar de lado e perder a batalha com a preguiça: apago denovo. Talvez nenhuma batalha seja tão boa de se perder quanto a com a preguiça. De repente, sapos, cigarras, estralos que vêm de dentro, e estou despertado de novo.
Perceber, abrindo meio olho, que um resto de lusco-fusco entra pela janela e ilumina os pés da cama. Ainda não é tão tarde.


E, como último golpe para remover as amarras que nos prendem ao leito, ouvir, vindo da sala, o barulho do ronco de um chimarrão - valioso sinal que indica, além da parceria para uma conversa, que a bebida quente está pronta para aliviar a estranha friagem de verão e para engolir toda aquela saliva grudada entre dentes e gengiva.
Pulo para fora da cama e já não lembro de qual misantropia eu fora invadido antes de adormecer. Já não me lembro de qualquer sentimento que entreguei àquele sono renovador e que ele gentilmente jogou fora para o meu deleite.
Eu provoquei-o. Eu cheguei com o coração apertado e disse-o: "duvido, duvido que tu sejas capaz de me fazer sentir melhor". E ele que me derrubou, sem antes dar um sorriso sarcástico - essa que ficou marcada como a última imagem que vi.

Por Marcelo Müller - @masmuller

terça-feira, 9 de março de 2010

Desabafo - No mundo dos grandes

No mundo dos grandes

Toda criança quer desenhar na parede. Nenhuma mãe deixa desenhar na parece. Por motivos óbvios, claro. Rabiscar o concreto é forte na infância. Não há quadro negro que substitua.
As crianças viram adolescentes e permanecem desejando escrever. Fixar-se em algo. Talvez a insegurança da juventude os faça correr para os banheiros das escolas, para as carteiras. Mas sempre vem um professor que manda limpar. E lá se vão os registros.
Aí, a criança que tentava desenhar no muro da casa ou usava a parede do quarto para receber declarações dos amigos, passa no vestibular. Entra na federal. Dá um passo na idade adulta. No mundo das responsabilidades, em tese. Agora precisa pensar na carreira, no futuro, em dinheiro.
E o que ela encontra?
As cadeiras, os professores, os colegas e as cervejadas durante a semana. O diferente.
Também.
Mas tinha algo de criança lá. Uma sala toda rabiscada, onde qualquer um podia escrever. E, importante, nenhuma mãe ameaçava colocar de castigo. Ela foi feita para se deixar marcar. Não é um muro de lamentações. Seria de confirmações? Ou de contestações?
Os que tinham de entrar na idade adulta voltavam a ser crianças ali. Soltavam as feras desenhando, escrevendo, declarando. Um alívio num mundo de insanidade. Um pouco de doce insanidade, para ser mais exata. E aquele concreto todo era deles. De todos que fizeram a prova que os deixou entrar naquele portão, ser sujo de tinta e se matricular. Um pedaço de cada, era disso que eram feitas aquelas paredes. Pareciam intocáveis. Perenes como pouca coisa nessa vida. As nossas paredes. Os nossos desenhos. Os nossos escritos. Os nossos devaneios.
Como uma mãe que traz o pano para a limpeza ou a professora que decide fazer um mutirão, nossas marcas encontraram o perigo. Havíamos esquecido que uma tinta qualquer poderia cobri-las. Poderia nos tirar dali. E tirou.
Voltamos das férias para a vida adulta. Nosso pedaço de infância não existia mais. Tudo limpo, branco, imune, extirpe. Nos chamaram para o mundo dos grandes. Pintaram as paredes do Dacom.


terça-feira, 2 de março de 2010

Desabafo - Maior que eu


Se eu andar desabafando demais, alguém me manda ficar quieta, por favor?
Isso anda é me fazendo bem, confesso.
E, ao que tudo indica, terça-feira é dia de Rúcula. Veremos...



Maior que eu



Meu irmão diz que a culpa é dos romances que eu insisto em não largar. Já ouvi que pode ser culpa das comédias românticas. Mas faz tempo que não vejo nenhuma. Também li que invencionices é coisa de jornalista. Sagitariana? Pior ainda. Ou coisa de criança que brincou bastante. Leu, correu, fez teatro, dança, fantasiou. E não parou de fantasiar.
Não sei. O fato é que eu fantasio e bastante. Crio personagens, cenários, roteiros. Acordo e me coloco noutro lugar do globo com a maior facilidade. Aí, eu derrubo um pote inteiro de maionese no chão e me lembro onde estou, o que tenho que fazer, para onde vou e que (droga!) ainda tenho que limpar o chão.
Resultado ou não disso, meu coração tem um quê de independência. Como outras várias partes do meu corpo, aliás. Muitos já devem ter me ouvido dizer: meu útero tem vida própria. Pois tem mesmo. Ou melhor, tinha. Agora ele tá sob controle, rá! Viva a tecnologia. Mas isso tudo é culpa do que acreditamos. Do que eu acredito, na verdade. Eu admiro a independência das pessoas, das coisas, dos animais. Então, o que me acontece? Os meus criam independência.
Quem mandou levantar a bandeira?
Ninguém.
Bom, andei relendo algumas coisas aqui no Rúcula e vi que ele anda super citado. Quem? Meu coração sagitariano. Então, queria era escrever sobre ele. Insanidade?
Talvez.
Mas hoje ele tá pulsando. E muito.
Não digo que ele seja independente, como o útero ou as unhas. Mas ele tem personalidade. Ah, isso tem.
Pula, pulsa, ganha cor e se alegra. Mas não me conta por que, o cretino!
Fico eu, bem bela, felizona sem saber explicar ou entender. Tá, sei que nem tudo na vida tem um porquê, diferente do que os jornalistas pensam.
Mas bem que eu queria saber (curiosidade jornalística, sabe?), por que ele se arrepia tão fundo com aquela música, com aquele brilho no olho, com aquele texto, com aquele ambiente.
Por que eu posso passar frio, calor, sono, tomar um banho de chuva e, ainda assim, amar aquela pauta?
Tá, eu também tenho meus momentos de crise com o jornalismo. Mas sempre que chego ao cansaço ou indisposição física com ele, chego em casa feliz. Isso é incrível!
Só pode ser coisa de pele. Química. Cheiro. Coração. Essas coisas.
Não é racional, não faz sentido algum. É maior que eu.
Só sei que as unanimidades do meu coração são unanimidades e ponto. A não ser que o tempo vire tudo de cabeça para baixo, meu petit ainda vai bater desesperado quando passar perto delas.
Não tem discussão e não sou eu quem controla. É o ser quase independente em questão mostrando a que veio.
Para mim, restam os sinais.
Mão suada, bochecha rosada, tremores, riso no canto da boca, cansaço que não vem, sono que esqueceu de mim. E uma alegria que transcende.
Nossa!
Tá, vou parar de especular e contar algumas unanimidades. Poucas, mas entendam. Nem todas eu identifiquei. É maior que eu.
1- Mãe, pai, Marcelo;
2- Avós;
3- Livros, a palavra;
4- Amigos especialíssimos;
5- Mar;
6- Jornalismo, reportagem;
7- Paris.