Quedou-se
Lá em casa, professor sempre foi um ser superior. Em relação às outras casas, com a mais absoluta certeza. Ele (ela, na maioria das vezes) era o cara que detinha algo que nós, as crianças, não tínhamos e precisávamos muito. Sem esse algo não seríamos alguém interessante no futuro. Na verdade, nem mesmo uma criança interessante. Quem pode ser interessante sem uma leve pitada de conhecimento?
Com sucesso, minha mãe conseguiu fazer com que acreditássemos nesse ser: o professor. E olha que isso é uma causa quase perdida! (Um viva pra minha mãe!) Fez com que acreditássemos que eles eram importantes, que sabiam mais que nós e que, mais do que tudo, nos fariam um bem. Acho que isso resume tudo: um professor faz um bem.
Na verdade, os professores só tem duas alternativas segundo uma teoria super desfundamentada que alimento: o bem ou o mal. Eles tem a capacidade de mudar vidas, de verdade. Basta escolher para que lado... Simples assim.
Mas como meus pais são bem ligados, eles também conseguiram fazer com que desenvolvêssemos um senso crítico (o meu um pouco acima da média, mas tudo bem). Com o passar dos anos, conseguimos ver que aquele professor poderia ter falhado em alguma coisa ou que não era aquilo tudo mesmo. O quê meio místico da história, no entanto, sempre foi preservado. Pelo menos para mim. E isso me fez bem, acreditem.
Não posso assinar embaixo dos pensamentos vorazes do meu irmão. Segundo filho, rapidez, acho que vocês sabem como funciona, não? Resultado: sou bem mais na minha que ele. Pro meu bem. Ou mal, ainda não sei.
Assim, acho que o Marcelo descontruiu essa mítica muito antes do que eu (como tantas coisas que ele descontruiu antes que eu, enfim), mas algum dia ele também a sentiu por perto, certamente.
A questão é que, para mim, as professoras sempre foram AS professoras. Um pouco acima de mim. Detentoras do conhecimento. Poderiam ser legais, bacanas ou chatas. O relacionamento estava dentro do portão da escola e só. Era aquela coisa de criança mesmo: a minha professora.
Aí vem o tempo e desembaralha algumas coisas. Não tira o sentido, mas desembaralha.
E tchantchantchan!!!
Eu descobri que tinha crescido quando uma professora deixou de ser só professora. Ela era uma amiga!
Como assim?
Ela conhecia minha casa, meus pais e alguns segredos. E a adoração singela de criança foi cedendo espaço para o carinho normal de amizade. Uma amizade bacana, mas uma amizade.
De igual para igual. Nada de ser superior.
Quedou-se (por que raios o português não tem esse verbo lindo? vou implantar) o encanto.
Sei que fiquei muito tempo pensando nisso. Não conseguia equilibrar perdas, ganhos e estranhezas. Primeiro, pensava que era um problema não ter mais esses seres superiores na minha vida. Ou ter menos. Depois, que jamais seria a mesma. E a gente nunca mais é a mesma, mesmo. Hoje, amanhã, depois...
Aí, vieram outros tantos amigos diferentes. Mais velhos, mais novos, sem idade e eu descobri que não é tão complicado assim ser grande.
Hoje, a minha ideia é a seguinte. Vou fazer minha mãe escrever o Manual do Ser Superior e, assim, a tese não terá fim. Se eficiente eu for, conseguirei construir a mesma mítica para os meus filhos e a retroalimentação terá início. Oxalá!
Metáforas da vida
Há 10 anos